Resumo da Fortune 500: pouco ESG e inclusão, muito lucro e tecnologia
- 8 de jun. de 2021
- 6 min de leitura
Uma das leituras importantes para quem acompanha o mundo dos negocios é a edição anual da Fortune 500, que traz a lista das 500 maiores empresas americanas e um balanço da economia, gestão, tendências e destaques sob uma ótica americana (25% do PIB mundial).

Essa 67ª edição traz um faturamento somado, das 500 maiores, de 14 trilhões de dólares, cerca de dois terços da economia americana.
A leitura desse ano trouxe um termômetro interessante entre narrativas do momento e o que está de fato na agenda das empresas. Resumo a seguir os pontos mais interessantes da leitura desta icônica publicação.
ESG, clima e minorias ainda não entraram na agenda do mercado americano
Pela primeira vez, li a Fortune 500 em um formato eletrônico que permite buscar palavras e contar o total de ocorrências de palavras em toda a edição, incluindo publicidade.
Escaneando as quase 250 páginas, o número de ocorrências das seguintes palavras foi:
ESG: zero ocorrências. Tomei o cuidado de procurar todas as variações possíveis da grafia.
Climate change: 22 ocorrências (das quais 18 em uma matéria sobre a Exxon Mobil).
Planet: 1 (matéria sobre a UGI Corporation, a única empresa a mencionar o equilíbrio entre acionistas, clientes, empregados e o planeta).
Inequality: 1
Sustainability: 2 (ambas em um anúncio pago).
Gender: 5 (todas em uma matéria sobre a Salesforce).
Minority + minorities: 4
Racial: 3
Ethnic: 1
LGBT: 0
Inclusion: 12 (metade em uma matéria sobre a Ally Financial).
Diversity: 12 (quase todas nas matérias citadas da UGI e da Ally).
Profit: 123 ocorrências.
Earning: 45
Revenue: 161
Sales: 140
Dividends: 16
Growth: 60
Digital: 51
Technology + technologies: 121
Artificial intelligence + a.i.: 18
Covid: 46
New normal: 1
Vaccine \ vaccination: 18
China: 8
Brazil: 1
Brexit: 0
European: 3
Nota-se um mercado muito voltado a lucro, crescimento e tecnologia e falando pouco sobre ESG, clima e diversidade.
Essa bola já tinha sido levantada no último primeiro de maio, quando Warren Buffett, em sua conferência anual a acionistas, deu uma esnobada no assunto ao ser questionado sobre a recusa, de seu conselho, em assumir metas ESG. Buffett disse, na ocasião, que não gosta de fazer “julgamentos morais” sobre negócios e que é “muito difícil” decidir quais beneficiam a sociedade. Ele e outros grandes filantropos parecem propor uma fronteira entre o que fazem como indivíduos e o papel das empresas.
O tema me chamou a atenção pois leio, diariamente, jornais e revistas do Brasil, Europa e Estados Unidos, e parece que estas regiões vivem realidades diferentes. No Brasil, mais da metade do noticiário de negócios é pautado por essa polarização política entre esquerda e direita, uma boa parte é ligada a temas de inclusão e minorias e sobra um pouco para falar sobre tecnologia, lucro e crescimento. Na Europa, 70% do assunto é mudança climática, dando a impressão que temos uma crise que, se não for resolvida semana que vem, o mundo vai acabar. Todos os países da UE estão fazendo planos para justificar o uso do dinheiro que será investido pela união no pós pandemia e TODOS os planos são pautados pela mudança climática.
A China responde por outros 25% do PIB e, pelo pouco que sabemos, parece muito preocupada com crescimento e produção. Somado ao fato de ser uma ditadura do curioso capitalismo de Estado, não me parece alguém com uma agenda tão Verde no curto prazo. Temos, então, pelo menos metade da economia mundial (EUA + China) indo para um lado, e Brasil e Europa defendendo pautas para o futuro que ainda não entraram na veia do mundo empresarial.
Costumo dizer que o mercado é soberano e manda na agenda das empresas. Lendo a Fortune, fiquei com a impressão que o mercado americano ainda não está pagando pelo capitalismo consciente. Há enorme mobilização de imprensa, ativistas, celebridades e governos, mas o consumidor americano ainda não me parece disposto a pagar um prêmio comprando produtos ou ações de empresas ESG.
Exemplificando essa minha opinião, compartilho um anúncio que vi na revista, da empresa Qlik, de análise de dados: “LUCROS ABSURDOS, graças a mais dados e insights. Esta é a nossa promessa”. Parece um anúncio impensável no Brasil e Europa de hoje!

Abaixo, comentarei algumas matérias e assuntos que chamaram a minha atenção.
O que está na cabeça dos CEOs das 500 maiores: cibersegurança e um novo ambiente de trabalho
Na tradicional pesquisa da edição anual, a maior preocupação dos CEOs de hoje é com as novas demandas dos funcionários, que querem um ambiente de trabalho novo, podendo trabalhar remotamente. Como entregar isso considerando a coesão, a criatividade e a cibersegurança.
53% dos CEOs afirmam chegar ao meio do ano acima do orçado e 17% abaixo.
74% dos CEOs precisarão de menos espaço de escritório. Só 7% precisarão de mais.
Para 53% dos CEOs, trabalhar 2 a 3 dias por semana remotamente é o melhor balanço.
Qual mercado a focar? 83% Estados Unidos, 12% China, 4% Ásia sem China, 1% Europa.
Quais os maiores riscos no seu radar? 66% cibersegurança, 19% mudança climática, 17% instabilidade política.

Mudanças causadas pela pandemia
As grandes mudanças observadas pela revista em relação ao ano anterior: a rapidez colossal da digitalização das empresas, o ganho de escala muito rápido de novas tecnologias e a a devastação dos pequenos negócios familiares, chamados de empresas mom-and-pap.
108 empresas tiveram prejuízo acumulado de U$ 224 bilhões, a maior perda desde a Grande Recessão: energia, hotéis, aéreas e restaurantes, mas o setor tech repôs parte dessa perda com um incremento próximo a 100 bilhões.
A explosão do YouTube
A venda de anúncios pelo YouTube está se tornando o maior mercado mundial de publicidade. Os números desse mercado são colossais e crescem a taxas astronômicas. Se a vida dos executivos de mídias tradicionais anda difícil, tende a piorar. Em algum momento dos próximos meses, o faturamento da publicidade de vídeos pela internet ultrapassará, pela primeira vez, a mídia televisiva.
Os chantagistas digitais
As ameaças de cibersegurança trouxeram um novo risco às empresas: a necessidade de negociar com terroristas digitais, ou pessoas que tiram empresas ou sistemas do ar e, assim como sequestradores, negociam um prêmio para devolver o que tomaram.
A matéria cita alguns resgates pagos recentemente, como um de U$ 1,14 milhão pago pela Universidade da California para liberar dados acadêmicos.
A revolução jovem nos investimentos
A matéria traz o exemplo de um recém aposentado que levou 30 anos para juntar um patrimônio de U$ 1,2 milhão, enquanto seu filho fez 800 mil de seu quarto, em um ano, com capital inicial de 25 mil. A revista comenta a transformação do mundo dos investimentos e o crescimento colossal das bolsas americanas, cujo volume diário de transações foi de 7 bi em 2019 para 15 bi no começo de 2021.
A maior campanha publicitária impressa que eu já vi!
Qual nao foi a minha surpresa ao ver uma série de páginas da Stihl, fabricante de motosserras e outros equipamentos. Como a campanha não acabava, cheguei ao absurdo de contar, e foram QUARENTA páginas, em uma revista de 228 no total. Se eu fosse cliente, funcionário ou acionista, talvez achasse que a empresa exagerou na dose e está com caixa demais...

Um gigante do varejo veterinário
Uma matéria que me chamou a atenção foi sobre a Tractor Supply, 291ª do ranking com crescimento de 27% em 2020. A empresa fez 10,6 bi de receita e 749mm de lucro. Visitei várias unidades da empresa quando trabalhei no mercado veterinário, anos atrás, e sempre me perguntei quando esse modelo de negócios chegará ao Brasil.
Temos um agronegócio gigantesco e, na maioria do país, produtos veterinários e agrícolas sao vendidos em lojas antigas, arcaicas, amadoras. A Tractor Supply transformou essa experiência em mercados enormes, com roupas, acessórios, ferramentas, comidas e aquele gigantismo americano.
O setor de petshops brasileiro já passou por essa revolução com empresas como Cobasi e Petz, mas as lojas veterinárias continuam em algum momento do século passado.
A batalha por talentos
A pandemia deu um “reset” no mercado de trabalho. Muitas pessoas deixaram as empresas e passam, agora, a buscar por novas oportunidades. 26% dos americanos atualmente empregados estão procurando um novo trabalho.
Na realidade americana, a faca e o queijo estão nas mãos dos candidatos, pois é mais difícil contratar gente boa do que arrumar emprego bom. Isso obriga empresas a repensarem sua oferta aos empregados.
A matéria provoca empresas a pensar no empregado como clientes, e que o ambiente de trabalho pré pandemia não funciona mais.
Aos números...
Walmart foi a maior empresa americana pelo 9º ano seguido, com 559 bilhões de vendas (mais de um terço do PIB do Brasil), com 13.5 bi de lucro.
Amazon é a 2ª colocada, mas seu crescimento em uma década é absurdo, de 34 para 386 bi em vendas anuais.
Apple é a 3ª em vendas (274 bi) mas a 1ª em lucro (57 bi).
Salesforce foi motivo de uma longa reportagem. Pulou da 190ª para a 137ª posição com o maior crescimento de lucro entre as 500: 3131%.
Salesforce
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