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  • Gustavo Sette

Qual o impacto dos “pais paranoicos” no futuro das empresas familiares?

Enorme! Mas, antes, vamos contextualizar.


“Pais paranoicos” foi o título do artigo de Luiz Felipe Pondé na Gazeta do Povo de ontem.

Usando sua típica acidez filosófica, Pondé comentou o culto da criança vulnerável, que leva os pais a atormentar as instituições com suas demandas infinitas de superproteção e aumento da autoestima dos seus sempre maravilhosos filhos.




Mais algumas pauladas do artigo, nas palavras de Pondé: se o filho tem alergia a castanhas, a escola inteira precisa abolir as castanhas. Se o filho assumir uma identidade sexual antes dos 40, é porque você o oprimiu. É preciso produzir crianças fofas e politicamente corretas, ou uma “produção em série de Gretas”. Crianças tomam ansiolítico aos 5 anos pela forte demanda de atender às projeções dos pais. Psicólogos muitas vezes são parte do problema e a escolas não intervém para não perder o aluno e a receita.

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A criação paranoica é mais um desafio na formação de sucessores e na luta pela sobrevivência das empresas familiares. Vamos rever alguns deles.

Muitas famílias por natureza já são bolhas de conforto e de um certo isolamento da vida real – basta ver a quantidade de herdeiros que conhecemos que possuem uma visão muito distorcida da realidade. Minha amostra mais recente foi um jovem de menos de 20 anos, totalmente saudável, que tocava um sininho para a empregada trazer uma laranja, naturalmente já descascada. Um grande problema é que quem está dentro de uma bolha não percebe, afinal, para quem viaja de primeira classe desde a infância, a primeira classe é o normal.


Um outro elemento que ameaça a formação dos sucessores é a série de mudanças nos valores e desejos dos jovens de hoje, que não parecem tão dispostos a trabalhar por extensas jornadas durante décadas, enfrentando os problemas e frustrações do mundo real, como fizeram seus antepassados que construíram a empresa. Já estamos vendo e veremos executivos da velha guarda com mandatos cada vez mais esticados e, na hora da sucessão, se a empresa não tiver sido vendida ou profissionalizada antes, pode ser tarde demais para os sucessores que não se preparam adequadamente.


Outro agravante é um comportamento curioso de alguns empresários que, conscientemente ou não, atrapalham o desenvolvimento e a individuação dos filhos, como uma forma de buscar a imortalidade. Os filhos serão eternas crianças e o pai será eternamente indispensável. Faltou só negociar com o tempo, que insiste em não parar...


Por fim, um obstáculo muito comum aos jovens sucessores é a eterna comparação. Somando esse aspecto ao anterior, temos muitos pais que não colaboram para o amadurecimento dos filhos e, ao mesmo tempo, usam frases padrão que incluem os clássicos “no meu tempo”, “na minha geração”, “tudo para vocês é mais fácil”, e por aí vai. Reforçando a profecia autorrealizável, o patriarca é eternamente necessário e o sucessor, eternamente despreparado.


Mesmo com todos esses empecilhos, há luz no fim do túnel. Se os obstáculos aos sucessores são grandes, os recursos também são, e não devemos aceitar a estigmatização de toda uma geração. Há muitos sucessores e herdeiros ávidos por trabalhar, estudar, se desenvolver e manter o legado de suas famílias.


Existem muitos herdeiros que viajam sim na classe executiva desde a infância, mas que trabalham duro e querem construir a própria história. Temos muitas famílias em que irmãos nascidos e criados no mesmo ambiente tomam rumos totalmente diferentes dos irmãos. Entra aqui o indivíduo, seus valores e características próprias, que se sobrepõem ao meio em que convive.


Não podemos também rotular e nem perder as esperanças nos pais. Muitos reconhecem, em determinado momento, que exageraram na proteção dos filhos, mas acordam a tempo e buscam soluções.


Para se tornar bons executivos, sócios, conselheiros ou meros rentistas, herdeiros de empresas familiares precisam de um contrapeso à bolha em que nasceram e foram criados. Vejo cada vez mais evidências de que uma carreira relevante fora do círculo da família é um requisito não negociável, pois é uma ponte para conviver com outras pessoas, outras realidades e com a dureza (e beleza) da vida real e anônima.


O herdeiro precisa estudar, trabalhar, experimentar e conviver com outras realidades, valorizar o dinheiro e as conquistas, conhecer a frustração, conhecer o “não”. O mundo de hoje oferece um menu quase ilimitado de possibilidades para essas vivências, sejam de trabalho, estudo, mentoria, programas de formação e desenvolvimento, entre outros.


Sucessores sempre conviveram com uma maré de expectativas e rótulos depreciativos: seus pais que foram empreendedores, criativos e dinâmicos e construíram tudo para os filhos, que devem tentar não estragar o que foi feito. O que eu observo na realidade é o contrário: muitos sucessores são criativos, trabalhadores e possuem capacidade para complementar e ampliar aquilo que seus antecessores construíram.


Pais paranoicos, viver em uma bolha de conforto e infantilização, projeção de expectativas, comparações o tempo todo e ser de uma geração rotulada como preguiçosa... A família empresária não é fácil para os seus legatários. O que faz os sucessores superarem tudo isso e se destacarem é a combinação de 3 fatores: a vontade, a dedicação e a busca por ajuda externa. Vontade, trabalho e ajuda. Em outras palavras, sonhar grande, trabalhar duro e entender que, sozinho, ninguém consegue nada. Não é fácil, não é para todos, mas a peneira da vida é assim mesmo.


Aliás, qual problema da vida, para ser resolvido, não passa por essa fórmula?

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