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  • Gustavo Sette

O que líderes de empresas familiares podem fazer depois que se aposentam

Semana passada, comentei rapidamente os processos sucessórios no Magazine Luiza, agora na 3ª geração. O fundador, Pelegrino Donato, passou a gestão para a sobrinha Luiza quando ele tinha 65 anos e ela, 40, e Luiza passou a bola para o filho nas mesmas idades: ela aos 65, ele aos 40.

Não é o que acontece – infelizmente – na maioria das empresas familiares, em que patriarcas chegam aos 70, aos 80 anos sem nem sequer mencionar a hipótese de renunciar ao poder, vivenciando um claro conflito de desejos: por um lado, gostam do que fazem e querem continuar. Por outro lado, querem passar para os filhos e manter a perpetuidade do negócio.

O problema é que tais desejos são conflitantes. Se um líder de família nunca passa o poder, ele deixará para trás duas gerações adultas, e isso levará à destruição do negócio.

Veja o caso recente e trágico do grupo pernambucano João Santos, do Cimento Nassau: o fundador liderou a empresa até 2009, quando morreu aos 101 anos. Seus filhos estavam na casa dos 70, os netos na casa dos 40, ou seja, vivendo o principal momento de carreira.

Essa espera infinita gera um dilema para a geração intermediária, que está pronta, com energia e novas ideias. Ao olhar os pais vivendo a “síndrome de Príncipe Charles”, acontece o inevitável: os talentosos caem fora e vão procurar se realizar em outro lugar. Quando finalmente a biologia aposenta o patriarca, a geração seguinte já está em um momento pessoal e profissional inadequados para um bom mandato, e quem era bom da geração abaixo já construiu uma carreira relevante fora.

O grupo João Santos chegou a valer 5 bilhões. Hoje está em recuperação judicial, atolado em processos de todos os tipos, com uma família em frangalhos e reputação destruída. Tudo isso em menos de uma década. É o preço da… Imortalidade.

O que leva esses líderes a querer permanecer?

O poder é uma zona de conforto muito sedutora. Liderar uma empresa por 50 anos gera uma aura de badalação, privilégios e muita segurança, pois seus líderes dominam o trabalho, o mercado e se acostumaram a uma estrutura nuclear, de décadas no centro das atenções. Abrir mão disso é entrar no desconhecido, no novo, com grandes riscos de não ser tão bem-sucedido ou badalado.

Outro fator que explica esse apego é a associação entre deixar a empresa e a velhice, ou mesmo a mortalidade. Ouvi recentemente um patriarca de 65 anos dizendo, “meu filho quer me aposentar, isso não é uma traição?”.

Expliquei a ele que, em minha visão, o filho queria aposentar o pai da função de executivo responsável pela operação diária da empresa, o que abriria espaço para uma nova geração de pessoas, ideias e, ao pai, um novo universo de possibilidades de vida, carreira e realização.

Defendi meus argumentos usando dois exemplos: Abílio Diniz e Bill Gates.

Abílio Diniz quis continuar a vida de executivo, tocando operação. Talvez ele não tenha mais o mesmo faro, a mesma cautela do século passado na condução dos negócios, que talvez estejam mais complexos. Fato é que, pessoalmente, achei deprimente vê-lo ser indiciado aos 81 anos por estelionato e organização criminosa. Até acredito que ele provará sua inocência, mas era necessário para sua biografia e momento de vida ter que ir depor em Curitiba?

Um exemplo mais positivo: após sair da Microsoft, Bill Gates juntou-se a Melinda e criou a maior fundação privada dos EUA. Enquanto isso, a Microsoft cresce sem parar, tendo o fundador como um mentor, uma fonte de inspiração. Gates está aposentado e ultrapassado para tocar a reunião matinal de projetos ou questionar a rota de visitas dos vendedores do Alabama, mas não para inspirar a empresa que fundou e nem para liderar uma fundação de enorme impacto na redução da pobreza global.

Quatro tipos de saída

Jeffrey Sonnenfeld, professor de Yale, escreveu em 1988 um livro chamado The Hero’s Farewell (“a despedida do herói – o que acontece quando CEOs se aposentam”).

O autor estudou as saídas de CEOs e chegou a 4 estereótipos:

  1. Monarcas – esperneiam, preferem morrer no cargo ou são derrubados em um melodrama de novela da Globo.

  2. Generais – saem com relutância, minando e conspirando contra seus sucessores enquanto planejam um retorno.

  3. Mandatários – viram a chave totalmente e vão se dedicar a novas atividades.

  4. Embaixadores – permanecem em segundo plano e ajudam sua antiga empresa em projetos importantes, conforme necessário.

Um papel especial para os seniores

Com o crescimento da longevidade, é cada vez mais comum que pessoas talentosas tenham duas ou mais carreiras de sucesso ao longo da vida, adequando-as aos desejos, competências e restrições de cada idade.

No final de outubro, assisti a uma palestra memorável no encontro anual do Family Firm Institute, em Londres. A professora Christine Blondel, do INSEAD, mostrou em um slide os 4 estágios de sua carreira:

  1. Estágio 1 – aprender, organizar

  2. Estágio 2 – produzir conhecimento.

  3. Estágio 3 – oferecer consultoria.

  4. Estágio 4 e atual – transmitir conhecimento e legado.

A fase final da carreira, portanto, pode ser chamada de “carreira do legado”. Depois de uma corrida bem-sucedida como líder de uma empresa familiar e de um “gran finale” fazendo um bom plano de sucessão, começa uma nova carreira que pode durar 20, até 30 anos.

Líderes maduros podem usar sua sabedoria e experiência de diversas formas, servindo como mentores para a geração mais jovem. Podem ajudar a família a desenvolver novos empreendimentos, como um family office ou braço de investimentos. Podem atuar no conselho, orientar e desenvolver novas lideranças. Podem ensinar, inspirar e orientar seus netos. Podem assumir um projeto especial para ampliar o negócio. Ou podem assumir a liderança em organizações do setor ou no desenvolvimento da comunidade, mantendo o nome da família visível e construindo respeito, ao mesmo tempo em que atendem a um público mais amplo.

A foto desse artigo é um exemplo disso. Minha esposa esteve, recentemente, em um encontro do grupo “Mulheres do Brasil” e voltou absolutamente inspirada e energizada, após ouvir conselhos e mentoria de Luiza Trajano, 67 anos, e Chieko Aoki, 70 anos.

A chave que precisa ser virada

Para enxergar e aproveitar essa nova fase de vida e dar a chance de que a empresa da família se perpetue, esses líderes precisam mudar sua mentalidade e comportamento.

Precisam abdicar do poder e da aparente nobreza da liderança. Precisam confiar em seus filhos, permitindo-lhes dar um passo à frente e aceitando que farão as coisas de forma diferente – e sim, cometerão erros.

Veteranos precisam, acima de tudo, enxergar a oportunidade de aprender e crescer mais tarde na vida. Muitos sentem que, tendo chegado tão longe na carreira, não há necessidade de mais crescimento e mudança, além do frio na barriga de começar algo novo.

Deixar a empresa familiar não precisa ser o fim de uma carreira produtiva, mas sim um novo começo, que pode trazer de volta a mesma excitação de aprender e construir, o mesmo “frio na barriga” de quando tudo começou.

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