Mentir no trabalho virou ética?
- Gustavo Sette
- 30 de set.
- 2 min de leitura
Ontem, Luiz Felipe Pondé publicou um artigo na Folha que caiu como uma luva no trabalho que faço hoje com executivos em mentoria. Ele fala sobre algo que, no fundo, sempre existiu — a mentira como ferramenta — mas aponta uma virada mais incômoda: a mentira deixou de ser um desvio e virou uma virtude funcional.
Antes, era um cinismo tolerado nos bastidores. Agora, é pré-requisito de branding. Não se mente apenas por medo ou conveniência. Mente-se com método, com propósito — e com orgulho. A mentira se tornou a linguagem oficial da imagem pública. E o mais curioso: perdeu até o status de mentira. Virou coerência narrativa.
Como isso aparece na prática? O executivo vai a uma convenção da empresa, se incomoda com o tom celebrativo exagerado, mas posta a selfie com o time dizendo “orgulho de pertencer”, “propósito”, “time dos sonhos”.
O que pega é o quanto isso dói — ou não. Há quem nem perceba. Há quem sinta uma dor na alma. E há a maioria: que tolera um pouco de teatro porque, afinal, faz parte. Temos boletos.
Duro mesmo é quem sofre calado — e chega à mentoria por trás do personagem: exausto, infeliz, inseguro. Com o peso de um dilema: enxerga a mentira em que vive, mas não consegue sair dela. Sabe que aquilo não é sustentável, mas teme que, ao abandonar a pose, perca também a autoridade.
A reflexão do Pondé deu um novo enquadre a esse trabalho. Ao escancarar que esse estado de mentira virou uma ética funcional dos nossos tempos, fica claro que há pessoas que realmente precisam de ajuda para conviver com essa situação.
Pelo menos enquanto o teatro durar. E, com algum otimismo (que não é exatamente meu campo de especialidade), não sei se esse espetáculo ainda aguenta muito tempo em cartaz.
Será um "novo normal" ou uma moda que será varrida em breve?

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