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  • Gustavo Sette

Lidando com um mundo que não quer trabalhar

Recentemente, duas publicações chamaram minha atenção sobre um fenômeno intrigante em economias ricas do ocidente, como EUA e Reino Unido: a diminuição do interesse pelo trabalho.


Primeiramente, um breve vídeo do Primeiro-Ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, da semana passada. Durante uma conversa com cidadãos comuns em um pub na pequena cidade de Maltby, Sunak enfatizou a importância do trabalho: "Todo mundo que pode trabalhar deve trabalhar, pois isso é justo com os outros, e trabalho traz propósito à vida". Ele ainda anunciou um plano de incentivos, com descontos nos impostos de quem ganha salários médios e de donos de pequenas empresas, como os pubs.


Poucos dias depois, li uma matéria de destaque no Wall Street Journal, intitulada "Os americanos não se importam tanto com o trabalho. E não é apenas a Geração Z". O artigo discutia como a pandemia afetou a percepção e o valor do trabalho entre os americanos, destacando uma mudança significativa na importância atribuída ao trabalho e à carreira. Embora os indicadores econômicos possam sugerir uma continuidade no mercado de trabalho pré-pandêmico, a realidade é que a natureza do trabalho mudou profundamente, gerando uma profunda escassez de trabalhadores.





Diante do fetiche atual em rotular as gerações mais jovens, a matéria deixa claro que a mudança afetou trabalhadores de todas as idades e níveis de renda, sendo especialmente evidente entre homens de alta renda, que anteriormente eram mais propensos a trabalhar longas horas.


Essa mudança de cenário tem reflexos no Brasil, especialmente entre aqueles que têm mais opções e recursos.


Listei abaixo algumas reflexões sobre esse momento. Já adianto que o conteúdo deste artigo não representa a realidade da maioria das pessoas, mas sim a profissionais mais qualificados e bem-remunerados, que é o perfil predominante do público que atendo.



  1. Profissionais qualificados não tem desculpas para ganhar mal.


A luta por gente qualificada sempre foi grande, mas agora está totalmente assimétrica em favor dos profissionais. É um momento absolutamente único para quem quer trabalhar duro para crescer e se desenvolver, mas isso exige uma leitura crítica de cenário.

Trabalhar para uma empresa significa vender as suas 200 melhores horas do mês, portanto, que seja por um preço alto. Dentro daquilo que você faz, quais os melhores setores e as melhores empresas para se trabalhar? Setores sólidos, que crescem, investem, pagam bem?

Você pode vender as suas 200 horas para uma empresa endividada, em um setor complexo, de baixas margens, ou para uma empresa vencedora, boa de caixa, crescendo e que investe nas pessoas e no crescimento. Eu passei a maior parte da minha carreira nos setores farmacêutico e financeiro e não me arrependo.

Se for para pescar, que seja em um lago com mais peixes. Sei que parece óbvio, mas quanta gente insiste em molhar a minhoca em um lago fadado à mediocridade?


2)      Planejar o futuro financeiro é essencial

A parte que os governos não querem falar dessa situação de menos pessoas trabalhando é que ela estressa os já inviáveis programas de previdência e serviços, como os de saúde. Em outras palavras, você provavelmente não terá aposentadoria e pagará muito caro por saúde lá na frente, quando terá menos energia e menos mercado para gerar renda.

Diante desse risco, vejo como essencial preparar uma estrutura de rendimentos que cubra os seus custos futuros, ou pelo menos parte deles. Além de se proteger dos riscos que eu levantei, você constrói algo muito valioso: liberdade de escolha. E só tem liberdade quem tem a chamada independência financeira, total ou parcial, que é o estágio em que a pessoa acumulou ativos suficientes para viver sem depender da renda do trabalho, o que te dá liberdade para trabalhar em formatos e assuntos que mais te interessam nas diferentes fases da vida.

Um bom planejamento precisa integrar diferentes variáveis: ganhar mais, gastar melhor (que é diferente de gastar menos) e investir bem, tudo isso com uma boa visão dos impactos tributários. O problema é que a grande maioria das pessoas ativas no trabalho dedicam quase toda a energia só à primeira parte: ganhar mais, crescer na empresa. É a mais importante, mas tem muita gente que ganha bem e não acumula patrimônio por não olhar as outras frentes.

 

3)      Empresários devem estudar e testar outras modalidades

O que deve fazer o empresário diante de uma mão de obra cada vez mais escassa, exigente, cheia de desejos e, ainda por cima, cada vez mais protegida pelas leis trabalhistas?

Vejo muitos empresários pensando da mesma forma de sempre: todo o trabalho precisa ser feito por profissionais contratados e 100% dedicados à empresa, afinal, sempre foi assim. Mas “sempre foi assim” não é um bom conselheiro de negócios.

O empresário deve se abrir e dedicar tempo a entender as suas possibilidades de automação. Máquinas, inteligência artificial são caminhos sem volta. Fazer pequenos testes, ter gente boa olhando para isso, ou olhar pessoalmente.

Outra possibilidade é contratar serviços sob demanda, que vejo enorme resistência pois o empresário quer controlar tudo. Em 2010, contratei pela primeira vez um concurso de design gráfico, desses em que você escreve um briefing, determina um prêmio ao vencedor e vai trabalhando com designers do mundo todo, até definir o ganhador. Esse tipo de serviço está em muitas áreas, é possível resolver muitos problemas sem times inteiramente dedicados.

Por fim, outra provocação a empresários é repensar o modelo de que precisa contratar pessoas em regime integral. Muita gente boa não está disposta a vender as 200 horas do mês, mas venderia 20, ou 40. Claro que há obstáculos legais a vencer, mas são transponíveis.


Provocações finais

Para encerrar, deixo algumas questões para sua reflexão.


O artigo menciona que houve uma grande mudança no mercado de trabalho, mas o que de fato mudou: as pessoas estão com menos vontade de trabalhar, ou estão mais abertas e sentindo-se mais livres para assumir que trabalhar não é tão bom assim?


Por fim, essa era de ouro para os empregados é passageira ou veio para ficar? O Wall Street Journal fez essa pergunta para diferentes especialistas e não houve consenso.

Na minha visão, o impacto será altamente desigual. Quem desempenha funções de alto valor, valerá mais, e quem está no meio para baixo da pirâmide não deveria se empolgar com esse momento em que a lei da oferta e da procura está, de acordo com o artigo, na posição mais favorável aos empregados desde a década de 1950.


Na dúvida, não perca tempo tentando prever o futuro: cuide da sua carreira e do seu patrimônio!


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