Herdeiros e sucessores estão preparados para receber e gerir a fortuna da família?
- Gustavo Sette
- 22 de dez. de 2022
- 4 min de leitura
Eles acham que sim, mas os gestores dos Family Offices que cuidam dos patrimônios acham que não!

Essa curiosa discrepância foi o tema de um artigo da Bloomberg que o Valor traduziu e publicou na edição de ontem. O artigo é baseado em uma pesquisa recente com 100 famílias americanas que possuem um patrimônio médio de U$ 752 milhões (R$ 3,9 bi em valores de dez/22).

85% dos herdeiros acham que estão preparados, mas apenas 39% dos gestores de Family office concordam com essa visão.
Quem está com a razão: os herdeiros ou os gestores de patrimônio?
Eu estou mais com os gestores. Vejo poucos herdeiros preparados para lidar com patrimônio, e aqui estou falando em gestão de investimentos, impostos e um básico de questões jurídicas patrimoniais e sucessórias. Comentarei alguns aspectos da minha visão.
Em primeiro lugar, o que é estar preparado para lidar com patrimônio? Algumas coisas na vida só se aprendem fazendo, vivenciando. Quem quer pilotar um Boeing certamente aprenderá muito usando os simuladores de voo, mas aprender mesmo, só praticando ao longo do tempo. Talvez o maior desafio da gestão de investimentos seja lidar com as próprias emoções, e isso exige colocar a pele em risco.
Esses gestores de Family office que dizem que os herdeiros não estão preparados provavelmente têm na prateleira de produtos um super programa de formação à prova de balas. Já vi alguns, que prometiam algo como: vamos para Londres na classe executiva, ficaremos em uma suíte de luxo e teremos aulas com os Ph.D. s da London Business School, ao lado de outros herdeiros de famílias bilionárias do mundo todo. Certamente agrega, mas não tira o herdeiro da bolha e do simulador de voo.
É preciso colocar a mão na massa para aprender, o que me leva a um segundo aspecto: quantas famílias estão de fato abertas e interessadas em ensinar de verdade as futuras gerações, pagando o alto preço de ver jovens melhores do que os veteranos? Lecionar de fato exige fazer junto, decidir junto, participar e compartilhar informações e riscos, o que dá força e independência aos sucessores, e esse é o grande medo de uma boa parte dos patriarcas, que concentram informações e conhecimento para manter o controle e a relevância mesmo com a chegada da velhice.
Se o herdeiro quer aprender, mas não encontra espaço na família, o que deve fazer? Isso me leva a um terceiro aspecto, que é a iniciativa e o protagonismo. O que mais vejo nas gerações mais jovens é uma postura de esperar, de delegar. “Investimentos, sucessão, patrimônio? Meus pais estão vendo. Meus pais garantem que está tudo organizado”.
É uma postura arriscada e cômoda. O sucessor deve construir a própria trajetória de aprendizado e experimentação para lidar com investimentos e temas relacionados. O ideal é que a família propicie um ambiente em que a formação acadêmica seja complementada com vivência prática e realista, colocando o sucessor nas mesas de decisão e risco, mas reitero que isso é um privilégio de 20 ou no máximo 30% das famílias. Na grande maioria, a família paga o simulador de voo, mas não vai permitir ao novato um lugar na cabine do avião de verdade, nem como copiloto. Eu te pago as aulas, mas para pilotar o avião da família, espere a sua vez.
Isso me leva à minha frequente provocação de que, no mundo real, o sucessor deve construir essa base de experiência e conhecimento fora da família.
Imagine um herdeiro que, mesmo tendo recebido boa formação e tranquilidade para as despesas básicas da vida adulta, partiu para uma jornada solo, fora da bolha.
Aprendeu a trabalhar, a crescer profissionalmente, a ganhar e investir dinheiro, viveu na pele como é ganhar e como é perder. Tomou uma advertência da Receita Federal pois esqueceu de declarar um ganho de capital. Teve que ter conversas com o marido / esposa sobre planejamento financeiro e patrimonial. Levou um prejuízo de 30% em um negócio infeliz, mas celebrou um lucro espetacular naquele investimento comprado na baixa e que subiu espetacularmente.
Lidou com as emoções de ganhar e perder e juntou um patrimônio por méritos próprios de um milhão de dólares em 10 anos. Talvez esse sucessor esteja mais preparado para herdar e gerir um bilhão do que aqueles que nunca saíram da bolha ou da posição de esperar.
Resumindo os 3 aspectos, herdeiros precisam colocar a mão na massa para aprender a lidar com patrimônio, mas a maioria das famílias até pagará pela formação teórica, mas não dará o espaço para o aprendizado prático... E aí entra a iniciativa e a necessidade de colocar a mão na massa do maior interessado, que é o próprio herdeiro.
Muitos reclamam que a família não dá espaço, não abre o assunto, mas essa é a realidade em pelo menos dois terços das famílias. Diante desse cenário, que não é o ideal, mas prevalece, pergunto o que o sucessor prefere: continuar no simulador de voo, tentar uma vaga de copiloto ou começar a montar o seu cockpit?
Fontes:
Artigo da Bloomberg: “Heirs to $19 Billion Face Succession Doubts From Family Offices”.
Traduzido e publicado no Valor Econômico de 21/12/22.
Estudo comentado pelo artigo:
“The Next Generation Of Wealth Holders In The United States 2022”, um estudo feito pelas empresas Campden Wealth e pelo banco BNY Mellon Wealth Management.

Comments