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  • Gustavo Sette

Briga familiar destrói um dos principais grupos do Nordeste

A mídia tem noticiado o iminente e triste fim do Grupo João Santos, um conglomerado de 60 anos, que chegou a ser um dos 3 maiores e mais importantes da Região Nordeste, ao lado da Odebrecht e Queiroz Galvão.

Tenho tentado trazer casos de sucesso e longevidade, mas não podemos deixar de aprender com algumas tragédias, como essa. Abaixo, um resumo do caso.

O fundador

João Pereira dos Santos foi o típico empreendedor herói, que montou um império a partir do nada. Nasceu em 1907, ficou órfão aos 2 anos, casou-se aos 27 e montou a fábrica de cimentos Nassau em 1951.

Chegou a ter quase 1/6 do mercado brasileiro (liderado pela Votorantim) e um império que já valeu cerca de R$ 5 bi, incluindo cimento, comunicações, agroindústria e celulose.João teve 6 filhos, dos quais 4 estão vivos.

A morte do fundador

João morreu em 2009, aos 101 anos, e é do tipo que “morreu trabalhando”. Nunca se afastou dos negócios, não planejou uma sucessão, não preparou a empresa para o futuro. Até pouco tempo atrás, a companhia tinha um diretor financeiro de… 93 anos.

Após sua morte, veio à tona um modelo de governança e partilha que foi preparado sem envolvimento dos herdeiros, e aí veio o filme de terror que acontece na maioria dos casos: sem a presença da figura que mantinha alguma coesão, as discórdias geradas por um testamento “goela abaixo” marcaram o início do fim.

A empresa, hoje

9 das 11 fábricas estão paradas.

As vendas do grupo eram na faixa de 3 bi quando o fundador morreu, e hoje, caíram para menos de 1/3 disso.

A força de trabalho, que já foi de perto de 20 mil empregados, hoje está perto de 5 mil.

A empresa tem poucas chances de ser vendida por alguns fatores que costumam afastar investidores: a desarmonia familiar, o fato de as fábricas estarem defasadas e um passivo arrepiante em diversas esferas, até difícil de ser calculado.

A família está rachada em dois grupos: dois irmãos no poder somam 32% das ações (somam também mais de 150 anos de idade). O outro grupo tem duas irmãs e netos e possuem somados 68% do capital, mas o estatuto criado pelo fundador gera um impasse insolúvel: os irmãos no comando só podem ser afastados com 75% dos votos…

Os irmãos descontentes enviaram um dossiê delatando irregularidades à Polícia Federal, Ministério Público e Ministério do Trabalho, falando em lavagem de dinheiro, fraudes fiscais e trabalhistas.

Alguns erros encontrados

O negócio parou no tempo

A Cimentos Nassau joga em uma arena com adversários de peso: CSN, Ricardo Brennand e a gigantesca Votorantim. Com as brigas familiares e executivos nascidos no começo do século passado, as fábricas não receberam investimento e, apesar de estarem em locais estratégicos, usam processos e tecnologias obsoletos, mais caros e ineficientes. O produto ficou mais caro e perdeu a preferência dos clientes.

Muitas empresas familiares confundem a modernização com a briga entre gerações. O roteiro é previsível. Uma pessoa mais jovem leva um projeto ou diagnóstico de que algo pode ser modernizado, e ouve uma resposta padrão: “tudo sempre funcionou assim e você quer mudar tudo”. Nem todas as ideias de modernização fazem sentido, mas algumas fazem.

Não endereçar o conflito entre os irmãos

Nenhum formato sucessório “para em pé” sem a aceitação dos herdeiros. Ao invés de enfrentar as conversas e os conflitos e buscar uma solução aceitável a todos, fundadores costumam investir em bancas de advogados, tentando construir uma blindagem jurídica para impor a sua vontade… O que, invariavelmente, não funciona.

O mundo sem o fundador presente é outro, e as características do nosso Judiciário trazem uma quase certeza: se a família entrar em uma disputa, todos sairão perdendo, inclusive os vencedores.

A família de João Pereira dos Santos já demonstrava desunião há muitos anos. Quando os herdeiros são desunidos, é ainda mais importante que o patriarca (ou matriarca), ainda em vida, use seu poder, experiência e autoridade para costurar um acordo em que haja consenso. É difícil, trabalhoso, mas não fazer é ainda pior.

O alto custo de adiar

O fundador tocou a empresa até os 100 anos, com executivos da mesma época. Os filhos, que hoje estão brigando pelo poder, estão perto dos 80 anos.

Uma empresa que deveria estar discutindo a passagem da 3ª para a 4ª geração ainda não resolveu a primeira transição, do fundador para a 2ª geração.

O verbo “adiar” é onipresente em empresas familiares. Sucessão não é um evento, mas sim um processo, que leva tempo e pode ser muito prazeroso e gratificante. Mas, sempre há a crença irracional que esperar um pouco mais pode resolver os conflitos.

Uma morte anunciada

A história do grupo João Santos é triste, mas não tem nada de novidade e nem de imprevisível. Se o fundador teve sagacidade e saúde para montar e tocar o negócio até perto dos 100 anos, é razoável supor que ele enxergava os conflitos, os problemas e os riscos.

O desastre iminente é consequência de suas escolhas. A vida empresarial é uma série de “dias seguintes” às decisões e escolhas que os líderes fazem.

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