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A epidemia da liderança Nutella — e o antídoto difícil de aplicar

  • Gustavo Sette
  • 25 de mar.
  • 4 min de leitura


Eu queria ter escrito esse artigo. 


Mas como a empresária Natalia Beauty já o fez de forma tão direta e necessária, prefiro apenas assinar embaixo — e ir além.


Na última semana, ela publicou na Folha uma crítica contundente à chamada "liderança Nutella". 


Seu argumento central é simples: ao tentar ser compreensivos, acolhedores e inofensivos o tempo todo, muitos líderes estão deixando de liderar. Criaram ambientes onde qualquer cobrança é interpretada como opressão, e feedback virou ofensa pessoal. O resultado é um círculo vicioso: os profissionais medianos se sentem protegidos, os bons desistem, e os líderes — acuados — se tornam reféns de um ambiente frágil e improdutivo.

Antes que algum anestesista de LinkedIn apareça com exemplos de exceção… Sim, eu sei que existem chefes tóxicos, empresas abusivas e cenários que não se resolvem com metas e feedback. Mas esse artigo não é sobre exceções. É sobre a média perigosa que está virando regra: líderes com medo de liderar, e empresas travadas pela necessidade de agradar a todos.


O problema, no entanto, é ainda mais profundo do que o artigo aborda. Em países como o Brasil, onde a legislação trabalhista já tende a proteger excessivamente e infantilizar as relações de trabalho, esse tipo de cultura encontra terreno fértil. Criamos a figura do empregador vilão e do colaborador como vítima sistemática. O medo paralisante de processos trabalhistas, de acusações de assédio e da vigilância constante transforma líderes em operadores de cautela — e não de resultados. E aqui vai uma constatação prática: a empresa será processada de qualquer forma. A diferença está em ser processada enquanto dá lucro ou enquanto afunda.


A cultura dominante nas redes sociais, e até mesmo neste próprio LinkedIn, também reforça essa fragilidade. Existe uma exaltação quase automática de qualquer gesto de gentileza, de qualquer tentativa de empatia, enquanto conteúdos mais realistas, com foco em exigência, clareza e performance, são sabotados ou atacados. Liderar com firmeza virou ato de coragem. E isso não deveria ser assim.


Outro problema recorrente é a falsa dicotomia que se construiu entre resultado e clima. Como se fosse impossível ter um ambiente saudável e, ao mesmo tempo, exigir alta performance. Fico à vontade para falar disso porque vivi o oposto: tive a felicidade de liderar empresas que foram premiadas, ao mesmo tempo, como excelentes ambientes de trabalho e como negócios altamente lucrativos. Dá trabalho? Claro. Mas é possível — e necessário.


Esse equilíbrio só se sustenta com método. Trabalhei por anos em culturas onde o planejamento era cascateado em metas individuais, mensuráveis, acompanhadas e discutidas regularmente. Cada colaborador sabia, com antecedência, o que precisava entregar. A clareza de metas, os feedbacks constantes baseados em dados e o acompanhamento próximo criam um ambiente mais maduro, com conversas pautadas por compromissos negociados e acompanhados em conjunto. Um sistema assim funciona quase como um forno autolimpante: quem não entrega, com o tempo, entende que ali não é o seu lugar.

Claro, isso exige mais dos líderes. E exige mais dos liderados também. Não é um sistema confortável. Gera incômodo, sensação de injustiça momentânea, atritos. Mas esses elementos, quando bem conduzidos, geram aprendizado, crescimento e resultado. É um dos principais focos do meu trabalho hoje: ajudar líderes a migrarem do subjetivo para o concreto, e a encontrarem equilíbrio entre empatia e exigência.


Mas não se trata de defender autoritarismo ou descuido. Todo cuidado é pouco. O líder precisa agir como se estivesse sendo gravado o tempo todo — porque, na prática, está mesmo. Toda palavra, toda reunião, todo e-mail pode ser interpretado fora do contexto e se transformar em munição. Mas também não podemos cair no extremo oposto: querer zerar o risco, eliminar qualquer desconforto, blindar a empresa contra qualquer processo. Isso é impossível. Um funcionário da Vale, por exemplo, processou a empresa por ser mordido por seu próprio cachorro, em casa, durante o home office. Se formos nivelar a gestão pelo medo desses absurdos, é melhor fechar as portas.


Outro ponto que discuto frequentemente em mentorias é a necessidade de romper com a banalização do elogio. Hoje, uma simples visita a uma filial vira conteúdo gourmetizado no LinkedIn, com vídeos, emojis e aplausos. Não sou contra reconhecer conquistas, mas isso tem limites. 


Os melhores líderes que tive não me aplaudiam a cada passo. Ao contrário: passavam 80% do tempo apontando minhas fragilidades, me provocando a crescer. O que estava resolvido, seguia adiante. O foco era no que precisava evoluir. Se você lembrar dos grandes professores que teve na vida, vai perceber que os mais marcantes não eram os que mais elogiavam — mas os que focavam no que você precisava melhorar.


No fim, é preciso reconhecer que esse modelo de gestão não é para todos. Ele exige mais. Dá trabalho. Gera tensão. Mas também produz resultados reais, ambientes mais saudáveis e líderes mais maduros. 

O mesmo vale para minha mentoria e consultoria: não são para todos. Mas funcionam para quem quer, de verdade, combater a nutelagem e liderar com coragem, consistência e propósito.


Liderar, no fim das contas, é entregar resultado com gente. 


E isso é incompatível com os extremos: de um lado, a nutelagem e a gourmetização do banal; do outro, a gestão autoritária baseada no medo.


O gestor precisa superar a preguiça de trabalhar com metas e indicadores. 


Precisa aprender a conversar com as pessoas não para agradar, mas para desenvolvê-las — ajudando a evoluir e entregar. 


E sim, com cuidado. Mas sem virar refém do medo. 


Porque quem tenta eliminar todo risco, acaba eliminando a própria liderança.


Se esse texto te provocou de algum jeito — talvez seja a hora certa de conversarmos.

 
 
 

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