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  • Gustavo Sette

Miopias da sucessão: os herdeiros querem mesmo?

Resumo: continuando a série sobre as miopias que destroem 70% das empresas na sucessão, o artigo de hoje fala sobre a vontade dos herdeiros em trabalhar no negócio da família. O sucessor pode se declarar comprometido com a causa, mas entre 4 tipos de comprometimento, apenas um é positivo. Para piorar a situação, empresários que estão no comando tomam as decisões sobre o futuro sem checar o que os herdeiros querem para o seu futuro. O despreparo de herdeiros destrói 21% das empresas familiares. 

Gustavo Sette. 16/4/2018



Nessa série de artigos sobre os pontos-cegos que causam a destruição de 70% das empresas familiares na passagem de geração, falaremos hoje sobre outra tendência irracional de muitos veteranos que estão passando o bastão: decidir o que os seus herdeiros querem… Sem falar com eles.


Um diálogo comum com empresários nesta situação:


– eu já decidi que meu sucessor será o Francisco. – ótimo, mas você perguntou se ele quer? – é claro que quer. – mas você perguntou? Já conversou com ele sobre isso? – é óbvio que ele quer! E mesmo que não queira, é o melhor e tem que ser feito.


A escolha de um sucessor é um dos elementos mais complexos e importantes em um processo de sucessão. Para dar certo, o legatário deve ter interesse, legitimidade e capacidade para o mandato. Isso exige que essa escolha seja aceita pela família e pelos executivos da empresa, além de um tempo de transição, em que o novo líder senta na cadeira do antecessor e ambos trabalham juntos, em um processo estruturado de formação.


Ao pensar em sucessão, os holofotes geralmente ficam no fundador. Talvez pela idade, talvez pelo poder, talvez pela aura de bajulação ou mesmo pela necessidade de controle comum aos fundadores. Fato é que pouco se fala e pouco se pergunta sobre a necessidade dos herdeiros.


Há uma série de ótimos trabalhos sobre o tema. Um deles, bibliografado no fim do artigo, lista 4 bases de motivação que levam herdeiros a seguirem os passos de seus parentes. São elas:

1. Comprometimento Afetivo – “é o meu desejo”


O herdeiro tem forte identificação e apego emocional com o negócio, combinado com um grande desejo e capacidade de contribuir.


Comportamento observado:

“Estou contribuindo para a minha família, ajudando-a a alcançar um propósito do qual compartilho, mantendo o legado do meu bisavô. Estudei muito, adquiri conhecimento em outras empresas e agora quero usar tudo isso para o negócio da família. Eu podia estar em outra empresa também em posição de destaque, mas escolhi estar aqui e estou muito feliz”.


2. Comprometimento Normativo – “é a minha obrigação”


O herdeiro sente-se obrigado a trabalhar na empresa, muitas vezes pressionado pelos pais. Apesar de sentir-se “preso”, pode ou não enxergar isso como algo negativo.


Comportamento observado:

Eu tinha uma carreira promissora em outra empresa, mas meu pai chegou e disse que, se eu não fosse trabalhar com ele, venderia o negócio, pois não fazia sentido passar por tudo que ele passa se ninguém da família quisesse continuar. Pensei muito e resolvi ir trabalhar com ele.


3. Comprometimento Oportunista – “fazer outra coisa vai dar mais trabalho”.


Essa motivação, também chamada de calculista, acontece quando o herdeiro calcula que os custos ou sacrifícios associados a trabalhar em outro lugar são muito altos, além de não enxergar muitas oportunidades alternativas de emprego. Há também o sentimento de perder benefícios caso fique longe do dinheiro e do poder.


Comportamento observado:

“Tem uma série de chatices e inconvenientes, mas o salário é bom, tenho estabilidade, posso tirar férias de forma flexível e, pensando no futuro, estou já integrada à empresa e isso pode me beneficiar. Meu marido trabalha fora e ganha mais do que eu, mas toda hora a empresa tem corte, aumentam as metas… Não posso abrir mão dos benefícios de estar com a família”.


4. Comprometimento Imperativo – “preciso, não tenho outra opção”.


Nesse cenário, o herdeiro sente insegurança e incerteza sobre a sua própria capacidade de prosseguir com sucesso uma carreira fora dos negócios da família. Em muitos casos, sua incapacidade é abrandada pela presença do antecessor, que atua como uma espécie de “anjo da guarda”. O problema é quando o antecessor sai de cena sem que as deficiências do sucessor tenham sido trabalhadas. O preço é altíssimo para todos.


Comportamento observado:

“Eu não poderia pedir um emprego melhor. Na minha idade, sou diretor e chefe de um monte de pessoas. Onde eu conseguiria isso? Em qualquer outro lugar, eu teria que ter estudado muito mais e acumulado mais experiência. Eu não seria tão bem-sucedido fora da empresa da família”.


A miopia do fundador

Como dito no início, para uma sucessão dar certo, o herdeiro escolhido precisa desejar, ter capacidade, ser aceito pela família, pela empresa e passar por um período de transição de poder.


Se os veteranos dificilmente seguem algum desses passos, que dirá todos. Acham que a sua vontade tem o poder de superar todas essas barreiras.


Outra questão que poucos enxergam é o perigo da frase, “estou comprometido com o futuro do negócio da nossa família”. Esse comprometimento só é benéfico quando há um desejo genuíno de contribuir e pagar o preço de fazer bem feito.


Porém, na maioria dos casos, tal comprometimento é pautado em um sentimento de culpa, de comodismo ou de incapacidade para fazer outra coisa, e as consequências para o futuro da empresa são nefastas. Os dados falam por si só.


O despreparo de herdeiros destrói 21% das empresas familiares


Um estudo profundo de 20 anos envolvendo 3500 empresas familiares (Williams & Preisser) chegou aos seguintes números: em 70% dos casos, houve fracasso na sucessão, e 30% dos fracassos foram causados pelo despreparo dos herdeiros escolhidos. Mais assombroso ainda é o fato de que decisões ligadas ao negócio respondem por apenas 10% dos fracassos. 90% dos insucessos são causados por questões emocionais, de comunicação ou de herdeiros despreparados. Sim, 90%!


Algo está muito errado na forma como empresários pensam e executam a sucessão de suas empresas. As intenções em geral são as melhores, mas a execução não está dando certo. É hora de mudar esse quadro de destruição patrimonial e familiar buscando conhecimento, método e planejamento.

Para saber mais:

Artigo sobre os tipos de comprometimento de herdeiros: Sharma, P. & Irving, P.G. (2005). Four bases of family business successor commitment: Antecedents and consequences, Entrepreneurship Theory and Practice.


Livro com a pesquisa envolvendo 3.500 empresas: Preparing Heirs: Five Steps to a Successful Transition of Family Wealth and Values. Roy Williams e Vic Preisser.

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