Ao saber da morte de Jack Welch, peguei meu exemplar amarelado e todo riscado de Jack Definitivo, seu livro de 2001, e comecei a relembrar como a obra me serviu como manual em diferentes momentos de minha carreira.
No tópico sucessões, a que me dedico hoje, o livro de Welch trouxe um relato valiosíssimo de dois grandes momentos: quando ele foi escolhido para CEO da GE, aos 44 anos, e quando ele teve que escolher seu sucessor, em um processo de sete anos que foi concluído em 2001.
Em homenagem a esse grande livro e grande líder, trouxe um pouco desses relatos, usando trechos originais.
Jack torna-se CEO aos 44 anos
Na primeira parte do livro, Jack conta um pouco dos bastidores de quando ele foi escolhido para CEO. O texto deixa claro o jogo político e o ambiente carregado de sentimentos: o chefe de Jack torcia para outro candidato e o ambiente político da sede corporativa era insuportável. A agonia durou cerca de 5 anos.
Alguns trechos pinçados:
“Desde o primeiro dia, o processo sucessório adquiria viscosidade política. O clima de tensão era constante na empresa”.
“Apesar da falta de apoio do meu chefe, eu trabalhava com afinco, como se ele não estivesse lá”.
“As atividades de campo tornaram-se meu refúgio. Para trabalhar bem, precisava passar tão pouco tempo quanto possível na sede”.
“Aquilo era uma corrida de cavalos, mas de um tipo diferente, como se todos os jóqueis e animais fossem cegos. Só o CEO no poder sabia quem estava na frente”.
"A batalha durou uns 5 anos, até a escolha em dezembro de 1980".
“Eu era como o cachorro que correu e um dia alcançou o ônibus. Finalmente, eu tinha o emprego, mas não estava nem de longe tão seguro quanto parecia”.
Jack conduz a sua sucessão, em um projeto de 7 anos
20 anos depois, tendo multiplicado o valor e o resultado da empresa algumas vezes, Jack parte para a própria sucessão, tema do último capítulo do livro (The new guy). O processo começou em 1994, quando o CEO tinha 58 anos e, portanto, 7 anos para a idade de aposentadoria mandatória na empresa. Vale dizer que, na época, a GE era a maior empresa do mundo, um colosso da envergadura de uma Apple nos dias de hoje.
Para adaptar o processo à realidade do momento, Jack planejou a sucessão com os seguintes pensamentos:
1. Escolher um sucessor que fosse o líder inequívoco da GE, evitando um ambiente de questionamento e decepções.
2. Expurgar a politicagem do processo.
3. Garantir a intensa participação do conselho de administração.
4. Escolher alguém jovem, que pudesse ocupar o cargo por pelo menos 10 anos.
Selecionei abaixo alguns trechos interessantes para entender a complexidade de uma sucessão dessa relevância:
“O que tornou a escolha tão difícil foi o fato de termos 3 finalistas sensacionais, que superavam as expectativas. Qualquer um seria capaz de dirigir a GE. Além de grandes líderes, eram meus amigos – e eu sabia que decepcionaria dois deles”.
“Eu precisava de um processo como o da minha promoção – exaustivo e ponderado, mas tendo que se adaptar ao momento da empresa”.
“As apostas devem concentrar-se no que está pela frente, não no que ficou para trás”.
“Nomeei o VP de Recursos Humanos em 1993 e disse que nossa principal tarefa era escolher o sucessor até 2001.”
“Fizemos uma lista inicial de requisitos que não serviu para muita coisa, pois nem Jesus Cristo estaria qualificado para o cargo”.
“Falamos sobre o assunto com o Conselho de Administração pela primeira vez em 1994” (7 anos antes da sucessão).
“A lista inicial tinha 23 nomes, para quem criamos planos específicos para os próximos anos. Depois de 4 anos, os 23 se afunilaram para 8”.
“Organizamos jogos de golfe e eventos sociais entre os conselheiros e os potenciais candidatos e suas esposas. As mesas nos jantares eram planejadas para que todos os conselheiros pudessem interagir com os candidatos”.
“Usei conselheiros e consultores externos para avaliar os candidatos, sem a minha presença ou participação”.
“A imprensa começou a falar sobre a sucessão da GE em 1996, e perto do ano 2000, parecia o único assunto nas revistas de negócios. É preciso gerenciar a imprensa nesse processo”.
“Em 1998, já com 8 candidatos, desenvolvemos uma nova lista de objetivos para a escolha, mas novamente eram requisitos irreais”.
“A lição mais importante que aprendi na minha própria sucessão foi a necessidade de eliminar toda a política interna, e acho que conseguimos”.
“Chegamos a 3 candidatos. Incluí os 3 no conselho de administração da GE Capital. Para evitar a politicagem, eles tinham atividades fora da sede corporativa”.
“Iniciei uma sequência de jantares particulares com os líderes de negócios, pedindo a opinião deles sobre quem deveriam ser os líderes no topo da organização”.
“No final do processo, com 3 candidatos tão bons, eu torcia para algum deles fazer uma besteira, para facilitar a minha escolha”.
“Nunca tive dificuldade em tomar decisões, mas essa era diferente”.
“Tive uma ideia debaixo do chuveiro. Tendo que escolher um entre três candidatos, decidi ‘perder’ dois nas minhas próprias condições, e isso virou uma condição para concorrer à vaga: quem não fosse escolhido teria que sair. A notícia foi uma surpresa para eles, que perguntavam: quer dizer que ou eu viro CEO ou vou embora? É isso aí”.
“Os 3 candidatos tiveram desempenhos excepcionais em seus respectivos desafios e uma postura exemplar frente ao processo”.
“Em um jantar em outubro de 2000, em uma sala confortável e reservada em um hotel, expus ao Conselho a minha escolha. Debatemos, todos se manifestaram e expressaram concordância unânime. Alguns conselheiros tentaram defender a ideia de reter pelo menos um dos outros dois, mas concordamos, com algum contragosto, que os 3 estavam prontos para ser CEO, e, portanto, dois teriam que sair”.
“Encerrei a reunião dizendo ‘não temos que tomar uma decisão agora. Pensem por 21 dias e, se tiverem alguma ideia, me telefonem’. Nas semanas seguintes, os conselheiros me ligaram apoiando a decisão. Agora eu teria que encarar a parte mais difícil: comunicar aos dois não escolhidos”.
“Liguei para Jeff Imelt e disse: o Conselho tomou a decisão, e é você. Gostaria que viesse me encontrar amanhã, com sua família. Em vez de mandar um avião da GE, alugamos um avião de fora, usamos um nome diferente para Jeff e o avião pousou em um aeroporto diferente, tudo para segurança e confidencialidade”.
“Não quis comunicar aos outros dois por telefone. Sentia-me assustado com a missão de comunicá-los, mas eu devia a cada um deles a oportunidade de olhar-me nos olhos quanto lhes transmitisse a notícia”.
“Em pleno feriado, voei sozinho para Cincinnati para comunicar a decisão a um dos não escolhidos. No nosso hangar privativo, só ele e eu, eu disse: ‘escolhi Jeff. Se você tiver que ficar zangado com alguém, fique comigo’. Ele não poderia ter sido mais elegante: ‘claro que eu queria o cargo, mas achei o processo justo, pois você jogou limpo e nos deu todas as oportunidades’”.
“Voamos de Cincinnati para Albany. Sentamo-nos em um sofá e eu dei a notícia ao outro não escolhido. Tivemos uma longa e árdua discussão. A decepção dele era enorme. Apertamos as mãos e nos abraçamos. De volta ao avião, pedi uma boa dose de vodca”.
“Passei alguns dias conversando com amigos e, em 10 dias, os dois candidatos não escolhidos já tinham grandes empregos: um foi escolhido CEO da 3M e o outro CEO da Home Depot”.
“Na festa de Natal da empresa daquele ano, ambos foram com as esposas, e foram ovacionados em pé por nossos conselheiros e executivos”.
A GE tomou a melhor decisão?
Mesmo um processo extenuante, detalhado e caro como esses não garante o sucesso. Vejamos o que aconteceu...
Jeff Immelt, o escolhido, ficou no cargo até 2017. Durante seu mandato, a GE perdeu muito valor – no maior período de prosperidade da bolsa americana, a ação da GE andou de lado. Enquanto escrevo essas linhas, a ação da GE está U$ 10,80, e estava na casa de U$ 45 em 2001. Culpa do CEO? Culpa do Conselho? Procure na Internet e achará todos os tipos de explicação. Na maioria dos artigos que li, especialistas isentam o CEO pela queda.
E os dois candidatos preteridos?
James McNerney ficou de 2000 a 2005 na 3M e de 2005 a 2015 foi o CEO e chairman da Boeing. Um artigo da Forbes em 2015 diz, “Boeing pagará preço alto por McNerney tratar aviação como qualquer outra indústria”. A matéria diz que ele focou demais no curto prazo e no preço da ação, ao custo do futuro. Uma das decisões tem ligação com o modelo 737 Max, que está proibido de voar pois teve 2 quedas recentes.
Robert Nardelli ficou 6 anos na Home Depot, em uma gestão altamente criticada. Uma matéria da CNBC de abril de 2009 o coloca em uma lista dos 20 piores CEOs da história da economia americana. A mesma matéria diz que seu pacote de saída foi uma verdadeira extorsão: 210 milhões de dólares.
Eu não gosto dos comentaristas de jogos encerrados de futebol, e aqui vale a mesma regra: ninguém sabe o que teria sido com outras decisões.
O fato é que podemos aprender algumas coisas com os relatos do livro:
· Sucessão precisa ser planejada e tratada como um processo de vários anos.
· Não é uma decisão monárquica de uma só pessoa. O sucessor precisa de legitimidade, e isso leva tempo.
· O processo exige transparência, comunicação e clareza.
· Muita emoção e psicologia estão em jogo.
· Líderes podem não enxergar, mas a sucessão é um assunto gigantesco nas mentes das pessoas e nos corredores da empresa.
Hoje eu trabalho com sucessão e por isso o foco do artigo, mas o legado de Jack Welch é grandioso, e seu livro foi um manual para diferentes momentos da minha carreira.
Seu conceito de “fábrica de pessoas” me ajudou a entender e admirar os extensos processos de avaliação ABC e diferenciação. “Nos processos industriais, tenta-se eliminar a variação, mas com pessoas, variação é tudo. Empresas precisam investir na diferenciação”.
A defesa de um ambiente de franqueza e objetividade, combatendo a chamada “amabilidade superficial”, também me ensinou muito.
O capítulo sobre 6-sigma foi muito útil quando me dediquei arduamente a essa metodologia, de 2004 a 2006 no Unibanco. Foi inspirador observar que estávamos aplicando, em serviços, uma metodologia tão poderosa em indústrias.
Jack dedicou muitas páginas explicando a importância de uma visão de futuro clara, fácil de entender e que deve ser repetida de forma redundante por muitos e muitos anos. A simplicidade é tão importante que foi em um esboço de guardanapo que ele encontrou a visão que serviu para inspirar a GE por 20 anos. “Ser número 1 ou número 2 em todos os negócios – se não for, conserte, vende ou feche”. Até hoje vejo o poder de uma visão clara e inspiradora para as empresas.
Livros de negócios surgem aos montes, dando nomes modernos às mesmas coisas. Podem inventar a gestão 5.0 ou a liderança 9.0, mas os princípios de liderança de Jack Welch estão mais do que provados. A GE tem 127 anos e nunca foi tão grande quanto nos 20 anos de sua liderança. Números não mentem!