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O que empresas familiares podem aprender com a renúncia do Príncipe Harry


Rei Edward VIII e sua esposa Wallis Simpson / Príncipe Harry com Meghan Markle

No final de 1936, com menos de um ano no cargo, o rei Edward VIII abdicou do trono inglês. Na época com 42 anos, Edward não tinha a menor vocação ou interesse pelo trabalho de monarca, e criou uma situação insustentável ao desejar casar-se com uma mulher americana e divorciada, o que não seria aceito nem pela Igreja, nem pelo Parlamento e nem pelo povo. O rei abdicou e foi viver na França.


84 anos se passaram até uma próxima movimentação semelhante: na semana passada, o príncipe Harry anunciou, pelo Instagram, que ele e sua esposa, também americana e divorciada, querem se desvincular da Família Real para viver no Canadá, e trabalhar para conquistar a sua independência financeira.


A forma como as duas renúncias foram recebidas mostra que vivemos em novos tempos. O rei Edward foi abandonado pela Família Real. Mudou-se para a França e recebia uma mesada para não aparecer, e precisava de autorização para pisar em seu próprio país. Ninguém da família esteve em seu casamento e ele nunca mais foi convidado para nada. Já o príncipe Harry não ficou livre de críticas, mas a grande maioria da imprensa e da população respeitou o direito de seguir a própria vontade, e a própria Família Real também o acolheu.


Para boa parte da imprensa, a renúncia de Harry obriga a monarquia a mudar, afinal, em uma sociedade moderna e multicultural, uma instituição tão antiga e tradicional precisa adaptar-se para continuar relevante e crível.


Traçarei aqui um arriscado paralelo entre a monarquia e as empresas familiares, entre um rei e um fundador. Arriscado pois existem muitas diferenças, mas vamos focar nas semelhanças: são duas estruturas cercadas de poder, dinheiro, politicagem, valores, bajulação e um complexo processo sucessório. Nesse último aspecto, a empresa familiar é ainda mais intricada, pois ao contrário da monarquia, o processo de sucessão não vem pronto. Tem que ser construído, negociado e comunicado.


É importante que as notícias vindas do Reino Unido inspirem fundadores de empresas familiares a pensar em alguns aspectos que mudaram em relação à sua própria experiência. Listei abaixo 5 pontos para reflexão:


  • Muitos fundadores tiveram que engraxar sapatos para colocar comida em casa, mas seus sucessores viveram realidades totalmente diferentes. O mundo está no mais duradouro período de paz, estabilidade e progresso, e jovens de famílias empresárias costumam viver no topo da pirâmide de uma geração que já vive melhor do que as passadas. Dizer a essa geração a velha frase “no meu tempo tudo foi mais difícil” dificilmente vai funcionar.


  • O sentido da vida e do trabalho – muitos fundadores foram criados com a perspectiva de trabalhar duro até o fim da vida, mas transportar essa expectativa para as gerações mais jovens é arriscado. Em novembro, assisti à apresentação de uma pesquisa global patrocinada pela KPMG, com 2000 empresas familiares de 38 países, e os dados mostram que a grande maioria dos millenials pretende se aposentar até os 50 anos. O que pretendem fazer a partir daí? Viagens, tempo com a família, filantropia e novas oportunidades de negócios. Trabalhar em negócios aparece, mas com muito menos importância. A fala do príncipe Harry é emblemática do que a pesquisa mostra sobre essa geração: “viver com a minha família e buscar a independência financeira”.


  • Menos importância para a acumulação de capital – é um clichê, mas não posso deixar de mencionar que muitos jovens de hoje não almejam ter tantos bens materiais: carros, barcos, casa na praia e posses que dão muito mais trabalho do que pagar para usar as mesmas coisas. O fato de sucessores serem herdeiros de algum patrimônio também pode contribuir para terem menos “sangue nos olhos” para ganhar dinheiro.


  • Menos apego emocional e desejo pela empresa da família. Assim como o Príncipe Harry colocou a monarquia em segundo plano, muitos sucessores não dão o mesmo valor que se dava no passado aos empreendimentos familiares. A pesquisa citada acima mostra que apenas 1/3 dos sucessores acredita que o próximo CEO deve ser da família. Quando perguntados qual deve ser o principal critério de seleção do próximo CEO, a resposta campeã surpreende: para 48%, o critério decisivo é a vontade de assumir o papel. Qualificação para o cargo fica em um distante 2º lugar, com 23%.


  • Mais espaço para expressar as próprias vontades. Por uma série de fatores sociais, culturais e até tecnológicos, é mais fácil alguém nos dias de hoje declarar que quer algo diferente do “roteiro esperado” para a vida. Já presenciei jovens falando para os pais que não queriam fazer faculdade, ou não queriam trabalhar em tempo integral, e há um enorme contraste entre a naturalidade da fala e a cara de espanto dos mais velhos, que viveram em uma época em que as expectativas predominavam sobre a vontade.


O objetivo desse artigo passa longe de fazer generalizações ou julgamentos. Não cabe a mim julgar se os mais novos ou mais velhos estão certos ou errados, se o Príncipe fez bem ou fez mal, e muito menos dizer que todas as sucessões serão impactadas por esses fatores.


O que pretendo, como especialista em sucessões de empresas familiares, é utilizar um fato recente e de grande repercussão para ilustrar que as sucessões precisam ser pensadas e planejadas de uma forma diferente.


O mundo mudou rápido demais, mas milhões de empresas mudarão de mãos, passando de uma geração que cresceu com uma série de crenças e expectativas para uma outra geração, que nasceu e vive em meio a uma revolução cultural, social e tecnológica. Essa passagem necessita o apoio de especialistas externos e imparciais, para ajudar as famílias a entender, negociar e respeitar essas diferenças.


Uma boa fonte de inspiração é a própria Rainha Elizabeth, que mostrou a sabedoria que se espera de um líder de família. Encerro o texto com o breve e elegante comunicado da Rainha, emitido anteontem, sobre Harry, e que expressa o que acredito ser o comportamento desejado quando se fala de vontades e família:


"Minha família e eu apoiamos totalmente o desejo de Harry e Meghan de criarem uma nova vida como uma família jovem. Embora preferíssemos que continuassem trabalhando como membros integrais da realeza, nós respeitamos e entendemos a vontade de viver uma vida mais independente como família”.


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