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  • Gustavo Sette

Guia do planejamento sucessório (VI): 6 questões para o fundador planejando sua saída da empresa


Continuamos hoje a série de artigos sobre empresas familiares e suas trocas de gerações.


Vale recapitular o que vimos até agora, nos 5 artigos anteriores.


Na parte I, definimos empresas familiares, seus diferenciais e principais ameaças.

Na parte II, definimos sucessão. O que é, o que deve ser buscado e o que há em comum entre casos de fracasso e sucesso. Estudos em diferentes países e épocas indicam que só 30% das empresas sobrevivem quando há mudança de geração, pois não se preparam para isso.

Na parte III, iniciamos a jornada de planejamento sucessório pela sua etapa mais importante: a criação de uma visão de futuro, compartilhada por todos os familiares envolvidos, e que servirá como guia e combustível para as etapas seguintes.

Na parte IV, desmistificamos uma questão pouco falada: quando a família deve vender a empresa? A sucessão vencedora é aquela em que a harmonia e a riqueza continuam com a família, mas há casos em que a empresa não cabe nesta equação.

Na parte V, falamos sobre o desafio pessoal vivido pelo fundador ao planejar a sua sucessão: superar o desejo de ser mortal e indispensável, encarar a velhice, não rivalizar com o sucessor, abrir mão do poder e desenvolver novas competências, bem diferentes das que o fizeram montar uma empresa de sucesso.


Hoje, falaremos sobre o planejamento necessário para o fundador, considerando que ele superou a etapa anterior.


Aliás, essa série de artigos é evolutiva, é preciso passar de fase antes de ir para a próxima. O fundador só pode ir para a fase VI, do planejamento pessoal, se superar a V, das armadilhas e desafios pessoais.


Nunca é demais lembrar que, em toda esta série, para efeito de simplificação, chamamos de “fundador” a figura que hoje lidera a empresa familiar e é, na maioria dos casos, também o líder da família. Pode ser fundador ou fundadora, pode ser um casal fundador, pode ser um sucessor de gerações mais avançadas. Para não ter que explicar isso a cada menção, “fundador” envolve todas estas possibilidades.



O plano de ação do fundador


No artigo anterior, falamos detalhadamente sobre os desafios pessoais e psicológicos que o fundador precisa superar no processo de planejamento da sucessão. Não tenho a pretensão de ter esgotado o tema, mas é preciso seguir em frente. Hoje, veremos algumas questões que o fundador precisa trabalhar em seu próprio planejamento de vida e carreira, em uma abordagem prática e direta.



Questão 1: o fundador está comprometido e motivado com o processo de sucessão?

O fundador precisa entender que planejar a sucessão é um componente vital de suas responsabilidades e do seu ciclo de vida, como ser humano, empresário(a) e líder de uma família.


Após entender e aceitar a tarefa, deve liderar o planejamento da sucessão como um projeto, que deve ter o envolvimento de todos os familiares envolvidos, incluindo seus maridos / esposas, e que precisa buscar uma visão de futuro compartilhada, valores e, a partir disso, tornar-se um plano de ação documentado em um protocolo.


Conduzir um planejamento sucessório é uma tremenda demonstração de grandeza, maturidade, desapego de poder e vaidade, preocupação e respeito às gerações futuras e ao próprio ciclo da vida. Se for bem conduzido, pode ser ainda mais gratificante do que a adrenalina sentida no passado, na montagem do negócio.



Questão 2: o fundador criou um planejamento financeiro e patrimonial confortáveis para a sua vida após a saída da empresa?


Se há um aspecto que deve ser resolvido na saída do fundador é o dinheiro. Os fundadores precisam de uma fonte segura de renda, garantida e independente do negócio. Colocar o negócio que criou nas mãos de uma outra pessoa já é difícil. Colocar, além disso, o próprio sustento, é pedir demais!


Ao mesmo tempo, o negócio precisa de capital, planejamento e previsibilidade. Não dá para, no meio de uma expansão, de uma aquisição ou mesmo de uma fase de endividamento, receber do antigo dono uma retirada imprevista, que seca o caixa da empresa.


Quanto os fundadores precisam para sair confortavelmente do negócio e como a empresa organizará esse montante?


Aqui surge uma das vantagens de se planejar com tempo. Se uma empresa dá R$ 15 milhões de lucro por ano e os fundadores querem R$ 6 milhões para a aposentadoria, a empresa consegue, em 5 anos, provisionar 8% do lucro para “pagar” a saída do fundador. É bem diferente de conseguir esse dinheiro para amanhã.


O planejamento financeiro do fundador precisa também considerar questões fiscais, tributárias e patrimoniais. Qual a estrutura fiscal mais eficiente? Como proteger os fundadores dos passivos da empresa? Temos que falar também na cessão das ações, testamento e a busca pela melhor estrutura quando a morte vier... Pois ela é inevitável.

Para essa etapa do plano, é altamente recomendável usar o serviço de especialistas nas diferentes matérias envolvidas. Os honorários de um tributarista, mesmo que seja dos caros, pode evitar despesas e arrependimentos irremediáveis no futuro.



Questão 3: o fundador escolheu um sucessor, ou uma estrutura de sucessão, e determinou uma data de saída?


A escolha do sucessor será tema de vários artigos futuros dentro dessa série. O que vale adiantar agora é que é preciso existir um processo transparente de escolha do sucessor ou da estrutura que tomará conta do negócio no futuro.

Essa estrutura precisa ser aceita pelo negócio e pela família e, para isso, é preciso haver um período de redundância, ou de transição, em que a nova estrutura é colocada em prática com o fundador ainda por perto, e se desligando aos poucos.


Alguns empresários tratam a escolha do sucessor como a cerimônia do Oscar: depois de mortos, alguém abrirá um envelope e dirá, “e o sucessor é... Paulo”. Apesar de esse caminho reunir diversos elementos para dar errado, é usado por muitas empresas. Um caso atual é o de Silvio Santos e suas filhas.


No nosso trabalho com famílias empresárias, nem sempre o planejamento da sucessão chega, na primeira etapa, ao nome de um sucessor. Há casos em que existem vários candidatos e opções, em que não há muita clareza sobre as vontades, prontidão e legitimidade de cada envolvido. Nessas situações, o planejamento preverá ações necessárias, envolvendo formação, desenvolvimento, trabalho, resultados e outros, para que, em uma futura revisão, um caminho seja definido de forma mais clara. E caso não haja uma possibilidade dentro da família, é sempre possível trazer executivos de fora ou mesmo vender a empresa, ou parte dela.


Com o perdão por ser repetitivo, temos aqui outra vantagem de se planejar com antecedência. Encontrar um sucessor para amanhã é uma coisa, mas tendo 5 ou 10 anos pela frente, é totalmente diferente. Veremos em artigos futuros que a estrutura sucessória precisa ter capacidade, desejo, aceitação da família e do negócio, e isso certamente leva tempo.



Questão 4: há um planejamento estratégico para o negócio, em linha com o fundador e com o sucessor?


Falaremos também, no futuro dessa série de artigos, sobre a preparação do negócio. O que vale ser falado nesse momento é que o fundador está planejando o futuro de um negócio em que ele não estará presente, portanto, o planejamento precisa estar em linha com os desejos, capacidades e convicções de seu sucessor e dos futuros donos.


O planejamento estratégico também precisa estar em linha com a geração de caixa da empresa. Vimos há pouco que o negócio precisará financiar a saída do fundador. Talvez não seja o momento de uma expansão gigantesca, ou de construir uma nova fábrica. O planejamento da empresa precisa estar alinhado com o planejamento da família.


Encontrar um planejamento em linha com a geração júnior e sênior é uma das etapas cruciais da sucessão. É normal que fundador e sucessor discutam, discordem, mas é importante encontrarem um caminho, que pode ser até, “será desse jeito até a minha saída, daqui a 5 anos, e depois você pode fazer do seu jeito”.


Li uma vez sobre uma pizzaria nos EUA em que o filho defendia a criação de uma linha de pizzas congeladas, mas o pai não acreditava na ideia e vetou. Depois da morte do pai, o filho lançou o projeto, e o negócio se valorizou mais de 100 vezes. Pai e filho poderiam ter feito um pequeno teste da ideia, mas não, o fundador usou o poder autocrático do veto. O filho respeitou a autoridade do pai e esperou. Não dá para dizer que “deu errado”, mas pai e filho poderiam ter crescido e aprendido juntos.


O planejamento do futuro da empresa deve passar por diversas questões, em que diferentes gerações terão visões díspares, e precisam chegar a um acordo. Uma questão que temos visto com frequência é uma discordância em relação ao volume de trabalho a ser dedicado ao negócio. Em geral, fundadores esperam que os filhos dediquem a vida à empresa, como eles fizeram, mas os filhos cresceram sem passar por crises e dificuldades que os pais vivenciaram e fazem parte de uma geração que sonha uma vida de mais equilíbrio. Outras questões que costumam gerar controvérsias estão na própria estratégia do negócio: vamos crescer com que agressividade? Expandir internacionalmente ou aumentar a penetração no país? Terceirizar ou internalizar? Crescer rápido e com mais risco ou ser mais conservador?


Boa parte dessas questões é respondida com a visão de futuro compartilhada, uma etapa que já vimos, na parte III dessa série de artigos. Se, por exemplo, a visão de futuro prever que a empresa deverá proporcionar um estilo de vida generoso para todos os familiares, talvez a estratégia do negócio precise prever um crescimento mais discreto. Uma frase muito boa em planejamento é: você pode desejar QUALQUER coisa, mas não pode desejar TODAS as coisas!



Questão 5: o fundador está preparado para ver o negócio ser tocado de outro jeito, com outro estilo e assumindo novos riscos?


Há uma ótima frase do esporte que diz, “treino é treino e jogo é jogo”. No item anterior, vimos que é importante que as gerações júnior e sênior desenhem um plano para o futuro do negócio, mas isso, quando colocado em prática, não elimina os sentimentos do fundador, de que as coisas estão deixando de ser 100% de seu jeito.


É importante entender que, nesse processo, nasce uma nova empresa. Além da troca de pessoas, de diferentes gerações, há uma mudança na espinha dorsal de qualquer organização, que é a fonte de poder.


Como mudanças costumam levar tempo para produzir resultado, o fundador precisa resistir à tentação (muito comum) de atropelar o processo de mudança e retomar a cadeira e o comando, pois as coisas não estão dando certo.


Mais do que aceitar que o negócio está passando por mudanças, o fundador precisa ir além. Com duas gerações convivendo simultaneamente por um tempo, é natural que funcionários, clientes e fornecedores da velha guarda tentem validar as coisas com o fundador, em nome dos velhos tempos. É preciso cortar esses atalhos.


O fundador deve ir se desligando do negócio aos poucos, transferindo poder e experiência à nova estrutura de comando. Com o passar do tempo, suas participações devem ser limitadas à mentoria, legado e encorajamento, nunca à direção.


Nossos comentários presumem que as coisas acontecem dentro da normalidade. É claro que, se o sucessor fizer uma loucura e o negócio despencar do dia para a noite, pode ser necessário que o fundador intervenha. Seria um caso claro de que alguma coisa não foi bem feita, mas não é o foco do artigo.



Questão 6: o fundador acredita que existe vida após a saída da empresa? identificou novos desafios, atividades e metas?


Líderes planejando a sua saída precisam criar uma identidade própria e separada do negócio. Não é uma tarefa fácil, pois vem acompanhada de outros desafios: aceitar o envelhecimento e a mortalidade, abrir mão de poder e influência na empresa E na família.


Assim como o negócio precisa se renovar, o fundador precisa entender que está entrando em um novo estágio de vida, cujo objetivo principal não é mais ser bem-sucedido, mas sim ajudar os outros a alcançar o sucesso, preparar-se para viver bem a etapa final da vida e deixar um legado para as próximas gerações.


Um fundador aposentado pode se dedicar a infinitas atividades: escrever, ensinar, dedicar-se à filantropia, viajar pelo mundo, morar em outro país por um tempo, fazer cursos, fazer mais esportes, dar consultoria, participar de novos negócios, tocar uma fazenda, oferecer mentoria, entre muitos outros.


Alguns fundadores precisam mandar, ter poder, e essa necessidade precisará ser preenchida em novas atividades. Outro problema comum é o acesso a serviços do dia a dia. Quando estava na empresa, o fundador tinha advogado, contador, secretária, office boy, alguém para consertar o chuveiro de casa, levar o carro para revisão, entre outros. Se isso for uma questão, a empresa pode alocar um orçamento para manter uma estrutura de serviços, ou mesmo contratar um Family Office para isso.


Existem muitos exemplos de líderes que deixaram o negócio e iniciaram novas atividades de forma inspiradora. Bill Gates deixou a Microsoft em 2014, aos 58 anos, e é um dos maiores influenciadores do mundo dos negócios, além de tocar uma fundação de impacto mundial. Ray Dalio, um dos maiores gestores de investimentos do planeta, escreveu um livro contando os seus princípios de vida e trabalho e diz que a obra faz parte de seu projeto de saída do negócio. No Brasil, Luiza Trajano deixou a presidência do Magazine Luiza e tem atuado em diversos projetos, como o “Mulheres do Brasil” e importantes contribuições ao universo que estuda as empresas familiares.


Por outro lado, diversos fundadores não encontraram uma vida fora do trabalho, e adiam para sempre a sua saída do negócio. Essa forma de pensar, por ser muito comum, é a maior causadora do trágico fato de que apenas uma de cada três empresas familiares sobrevive após a mudança de geração.



Estudo de caso – Família “Bologna”


Para exemplificar os conceitos aqui abordados, voltaremos a usar o estudo de caso da família Bologna, apresentado na parte III dessa série.



O patriarca da família é um imigrante italiano, 10 anos mais velho que a esposa e que sonha em passar a fase final da vida na Itália, mas em contato constante com os filhos.

As estruturas sucessórias e patrimoniais já foram definidas em conjunto com a família, e serão explicadas ao longo dos próximos artigos. O foco aqui é falar do plano de saída do fundador.


Do ponto de vista emocional, o patriarca entende que precisa se desconectar do negócio – até mesmo por questões de saúde. Ele é o principal entusiasta do planejamento sucessório e, adicionalmente, recebe pressão declarada da esposa para deixar a empresa.

A saída do negócio ocorrerá em 4 anos. O fundador e o sucessor montaram uma agenda de desenvolvimento e transferência de atividades, que será revista e rebalanceada ao final de cada ano.


O processo de escolha e transição foi comunicado à empresa, fornecedores e clientes, e a partir de agora, todas as reuniões com o fundador terão a participação do sucessor.

Em termos financeiros, o casal fundador já tem uma casa na Itália e alguns investimentos, mas farão, nos próximos 5 anos, uma retirada equivalente a 2 milhões de euros. Como isso consumirá cerca de 20% do lucro orçado, os filhos, nesse período, não receberão dividendos e os investimentos foram balanceados dentro do plano de 5 anos.


Nenhuma alteração societária ocorrerá de imediato. O planejamento sucessório colocou responsabilidades para todos, e o casal fundador quer esperar e observar a adesão dos filhos, antes de mexer em ações. Porém, testamentos foram feitos por todos e pensando em todos os possíveis cenários (morte do pai, ou da mãe, ou dos dois, ou de algum dos filhos...).


Em relação às atividades do casal fundador após a aposentadoria, a casa na Itália já traz uma série de possibilidades, além de amigos, parentes e uma paisagem inspiradora e de ótimas lembranças. O casal tem enorme orgulho por ter montado uma empresa relevante e conseguido encontrar uma solução pacífica para uma família com diferenças tão grandes, e deixar esse legado, mantendo a riqueza e a harmonia com a família, traz a gratificação necessária para uma fase final de vida bastante satisfatória.


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