Miopias da sucessão: processo envolve muito mais do que a liderança da empresa
- Gustavo Sette
- 14 de mar. de 2018
- 5 min de leitura
Resumo: muitas empresas familiares têm uma visão muito incompleta do processo sucessório, pensando apenas na passagem de poder da empresa da família e ignorando a infinidade de mudanças e impactos na família, no patrimônio e na própria empresa. É preciso adotar uma visão integrada. Em uma família complicada e atritada, esse alinhamento é ainda mais importante. O artigo é o primeiro de uma série que abordará pontos não considerados, ou míopes, e que causam tantos problemas na sucessão.
Gustavo Sette. 14/03/2018

Falarei hoje e em artigos futuros sobre o teste maior de grandeza da empresa familiar: a passagem de bastão para a próxima geração.
É o principal tema solicitado pelos visitantes do site, e não é por acaso. É na sucessão que acontece a terrível e famosa estatística 30 / 13 / 03, ou seja, 30% das empresas familiares passam da primeira geração, 13% passam da segunda e 3% passam da terceira.
O processo sucessório tem uma série de “pontos cegos”, ou seja, de elementos que estão lá, mas as pessoas não enxergam.
Nos próximos 3 artigos, falarei sobre isso. Vamos ao primeiro ponto cego.
A visão simplória do que é sucessão
Muitos tratam esse processo como a mera passagem da liderança da empresa da família, o que acaba direcionando todas as decisões e desdobramentos do processo. A geração que está no comando, sem perceber, divide a família entre os que estão e os que não estão envolvidos.
O problema é que muitas outras coisas acontecem em um processo de sucessão. Até hoje, ninguém conseguiu negociar com o tempo e suas consequências.
Os anos levarão a família a mudar. Uma geração morre, outra nasce. Mudam os centros de influência, a grandeza dos antepassados vai sendo diluída e esquecida.
A empresa também muda com o tempo. Além da dinâmica do mercado em que atua, a troca de comando altera totalmente a cultura, as relações de confiança, os valores e objetivos da empresa.
E por fim, com o tempo e com a morte das pessoas, ocorre a inevitável divisão de patrimônio. Algo que tinha um dono, passa a ter três, quatro, dez… Os mais variados sentimentos surgem desse processo.
A sucessão, portanto, envolve uma infinidade de mudanças na empresa, na família e na posse de tudo aquilo que a família possui – incluindo a empresa.
Cito abaixo um ótimo estudo, bibliografado no fim do artigo, que dá uma visão um pouco mais abrangente do que deve ser buscado para combinar tudo isso:
A continuidade das próximas gerações depende não só do sucesso financeiro do negócio ou do sucesso financeiro da família, depende da qualidade e coesão no relacionamento entre os membros da família, o sentimento de orgulho e conexão que eles têm com a empresa e com os demais negócios da família (Astrachan & Pieper, Mechanisms to Assure Long-Term Family Business Survival, 2008).
A vida prática
Apresentarei, em forma de diálogo, uma conversa que tive com um empresário, que tem um pensamento comum a muitos.
– Eu não preciso do seu serviço pois aqui a sucessão já está decidida. Eu e meus 2 irmãos temos um total de 8 filhos, mas só o meu mais velho dá conta de tocar negócio. Os outros ou estão em outras carreiras ou não querem nada da vida, e as nossas mulheres não palpitam no negócio.
– E esse seu filho, quer ser o sucessor? Pelo que conversei, ele trabalha em uma consultoria e está para ir fazer um MBA no exterior.
– Claro que quer.
– Mas você perguntou a ele?
– Tem coisas que não precisa perguntar.
– E o que você acha de dividir essa decisão com os primos? Compartilhar o que vocês estão planejando para a empresa lá na frente?
– Esquece! Isso não daria certo e não tem necessidade, pois quem manda sou eu e meus irmãos, não temos que dar satisfação.
– Vocês mandam hoje, mas na empresa do futuro, os primos que estão em outros negócios ou não querem nada da vida terão, juntos, mais de 80% das ações. Será que isso vai funcionar? Como será a vida do seu filho e da empresa, quando vocês não estiverem aqui? Pense também nos impactos que a esposas dos seus sócios poderão causar, e também nas esposas ou maridos dos 7 herdeiros que não estão participando dessa decisão…
Nesse momento, ele começou a me ouvir e, dias depois, o “filho escolhido” me ligou, muito preocupado com a situação e com a possibilidade de brigar com os primos que tanto gosta.
Sucessão em famílias problemáticas
“A minha filha do meio é concursada e ganha bem, mas é alcoólatra, muito difícil e é casada com um cara ameaçador, rancoroso. Não tem como dialogar com eles, melhor deixar de fora”.
Essa outra situação é muito comum. Várias famílias têm brigas, situações problemáticas, pessoas com vícios, deficiências e diversos outros distúrbios que impossibilitariam um debate produtivo.
Em famílias problemáticas, é ainda mais importante procurar uma solução que, ao menos, considere a opinião de todos. Se não for por amor, que seja pelo interesse de preservar a empresa. Quando a geração no comando escolhe o sucessor, muitas vezes acaba tratando o “resto” da família como uma demanda legal, e esse tratamento os leva a agir assim mesmo.
A filha alcoólatra com o marido complicado é herdeira e esse é um dos direitos com mais garantias em nosso sistema judicial. Uma disputa legal dentro de uma empresa familiar não tem vencedores. Um dos lados vence a disputa, mas depois de ter destruído a família e a empresa em anos de tensão que poderiam ter sido evitados com um planejamento adequado.
O irônico nesses casos é que, em geral, os familiares que são deixados de lado no processo sucessório concordam com o caminho escolhido pela geração no comando. A frase típica é, “não quero estar no comando, não é meu perfil e concordo com a escolha do meu primo. Só não quero ser deixado de fora desse processo”.
Ideias que funcionam
Famílias empresárias devem pensar muito além de planejamento da sucessão. É hora de pensar em estratégia da família, um alinhamento do que a família quer, quais serão as estratégias, como as pessoas se comunicarão, como será a governança, a remuneração, o planejamento do negócio e de todo o patrimônio. E se a família tem núcleos problemáticos, como essas pessoas serão tratadas e como o direito sucessório delas será respeitado, evitando uma contenda desastrosa que só faz bem aos advogados.
Planejar, juntos, o futuro, pois o sucesso da empresa não garante o sucesso do sistema de uma empresa familiar.
Na semana que vem, falaremos de um segundo ponto cego que aparece nos casos aqui relatados.
Bibliografia
O trabalho citado no artigo é: Mechanisms to Assure Long-Term Family Business Survival: A Study of the Dynamics of Cohesion in Multigenerational Family Business Families. Peter Lang. Pieper, T.M. and Astrachan, J .H. (2008).
Pode ser comprado no link abaixo.
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