O puxa-saco na empresa familiar
- Gustavo Sette
- 28 de fev. de 2018
- 5 min de leitura
Resumo: a bajulação, ou puxa-saquismo, ou ainda o “gerenciamento de impressões”, é o tema do artigo mais lido e comentado desse site, que traz definições dessa “doença” presente em todas as empresas, os agravantes observados na empresa familiar e uma série de dicas práticas para conviver com ela.

“Trabalho há mais de dez anos para uma firma familiar de bastante sucesso aqui no Espírito Santo, mas creio que meu ciclo está chegando ao fim. O nosso presidente trouxe o filho para a rotina da empresa e, com ele, veio algo que há muito tempo não nos abalava: os puxa-sacos. Agora aqui é proibido falar dos problemas da fábrica, tudo tem que ser de um jeito que agrade ao filho, e o pai parece não estar preocupado com isso. O que fazer com os puxa-sacos?”
Esse e-mail que recebi no final de 2017 traz uma situação infelizmente muito comum. Tanto na vida pessoal quanto na profissional, convivemos com doenças que não têm cura, mas sim formas de conviver com elas.
O puxa-saquismo certamente integra essa lista. Está presente em todas as empresas, não tem cura e, assim como em questões de saúde, é ignorado ou mesmo desconhecido pela maioria de suas vítimas.
Na empresa familiar, essa doença tem contornos próprios, pois os patrões representam uma fonte estática de poder. Toda companhia tem mudança de gerente, de coordenador, diretor e até presidente, mas quando a empresa tem um dono convivendo em sua rotina, ele logo se torna alvo de uma rede de influência.
Definindo puxa-saco
Dois pesquisadores conceituados sobre o tema, Amos Drory e Nurit Zaidman, da Universidade Ben Gurion, de Israel, já escreveram alguns artigos sobre o que eles chamam de “gerenciamento de impressões”, definido por eles como “o ato de respeitar, sorrir, expressar concordância, mostrar iniciativa e dedicação mesmo sem estar sentindo isso ou praticando isso”.
O uso do puxa-saquismo varia muito de acordo com o tipo de empresa. Quanto mais autoritária, mais é preciso bajular. Ilustrando com dois exemplos polarizados, no Exército muita coisa depende do bom humor da patente mais alta, o que promove a lisonja. Na outra ponta, em algumas empresas de consultoria, profissionais altamente qualificados trabalham em projetos dentro de clientes, com chefes “móveis”. O verdadeiro chefe é o cliente e o projeto.
Uma série de artigos sobre o tema, bibliografados no final dessa página, traz conclusões em comum entre diversas pesquisas: primeiro, somos vítimas fáceis da bajulação, não só como chefes, mas também como consumidores (“essa camisa ficou linda em você”). O ser humano gosta e não percebe que está sendo bajulado. Segundo, puxar o saco em geral ajuda os executivos a subirem na hierarquia, conforme estudo da universidade Kellogg (o que não quer dizer que quem é promovido assim dure muito). Terceiro, quem puxa o saco do presidente tende a ser mais agressivo em falar mal da empresa. E quarto, os efeitos da bajulação são devastadores para o comportamento de quem é bajulado.
Agravantes na empresa familiar
A empresa familiar tem um traço que favorece a bajulação: a cultura quase onipresente do dono. No clássico livro “Deuses da Administração”, Charles Handy divide as culturas de empresa em 4 estereótipos, representados por deuses gregos.
A empresa familiar geralmente pratica a cultura de Zeus, ou cultura de clube, representada por uma teia de aranha. O que importa para ter sucesso é a sua distância e relacionamento com a aranha. Poder e influência estão muito acima de conhecimento, competência e entrega de resultados. A cultura de Zeus tem como grande vantagem a rapidez de decisão – que naturalmente não garante qualidade de decisão.
São, portanto, clubes de pessoas de ideias semelhantes, trabalhando com base na empatia e no relacionamento, ao invés de relações mais formais e baseadas em fatos e dados. Em geral esses clubes são inflexíveis – quando se percebe que a empatia saiu de cena, é preciso eliminar o dissidente. É uma cultura boa para se trabalhar – desde que você pertença ao clube.
A cultura de Clube não é ruim por definição. Uma empresa que pratica a rapidez e prega a confiança entre as pessoas pode tirar bons frutos disso. O problema, infelizmente muito comum, é o líder ser incapaz de distinguir a bajulação – ou ainda pior, apaixonar-se por ela.
Dicas práticas para conviver com a doença
Tenha consciência, não negue o puxa-saquismo.
Um empresário uma vez me disse que a empresa dele era livre de bajulação. Em outro momento da conversa, ele relatou que seu diretor comercial, sempre que tomava uma bronca, dizia que sentia no chefe a energia de um líder capaz de levar o Brasil a ser uma potência mundial.
Crie um sistema de metas mensuráveis e divulgadas para todos os níveis.
Uma empresa familiar que tem clareza sobre sua visão e metas tem mais chances de vencer a bajulação. A reunião do presidente com os seus diretos pode começar exaltando o quanto o “patrão” está bonito, mais jovem e inteligente, mas terá que passar pelos indicadores de vendas, finanças, produção, marketing…
Combata o medo de errar e assumir erros.
Grande parte da bajulação vem do medo, que faz as pessoas jogarem toda a sujeira para baixo do tapete. O trabalho de um gestor é resolver problemas, portanto, cuidado para não criar um ambiente que aterrorize as pessoas a expor e discutir os erros.
Desconfie, reflita, analise cada pessoa do time.
Aqueles que riem de tudo, que não falam “não”, que passam muito tempo na sua sala, não trazem problemas e não expõem as pessoas do time são bons candidatos a puxa-saco.
Dê ouvidos e exposição a quem se dispõe a te contrariar, a expor o que precisa melhorar, o que está errado. Certa vez o presidente Obama declarou, “Livre-se dos bajuladores. Mantenha perto de você pessoas que te avisem quando você erra”.
Não se isole.
Transite, converse, comunique-se. Pratique relacionamento com toda a organização. Quanto mais isolado você estiver no grupo de diretos, menos visão terá sobre o que de fato está acontecendo – e mais suscetível à bajulação você parecerá se as pessoas não tiverem acesso a você.
Crie formas de tratar suas fraquezas.
Se a solidão do poder incomoda, ela é muito mais forte quando se trata de discutir os seus medos, defeitos e pontos a melhorar. É fundamental ter uma rede de pessoas capazes de conversar de igual para igual. Em outras palavras, você precisa ter alguém capaz de meter o pau… Em você mesmo. Se não for na empresa, que sejam consultores, amigos ou um bom Coach.
Coloque os objetivos da organização sempre na frente.
A responsabilidade e o privilégio de dirigir uma empresa familiar merecem ser lembrados. Há um legado, uma família, uma empresa com toda a comunidade envolvida, clientes, fornecedores e, acima de tudo, sonhos, projetos, aspirações.
Há uma história sendo construída, e você é o ator principal. Arriscar tudo isso em troca de tapinhas nas costas é uma escolha incompatível com a grandeza da missão que a vida lhe trouxe.
Um adulador parece-se com um amigo, como um lobo se parece com um cão. Cuida, pois, em não admitir inadvertidamente, na tua casa, lobos famintos em vez de cães de guarda.
Epicteto (55 a.C.)
Para saber mais:
Estudo da Kellogg School of Management elenca 7 práticas de bajulação que favorecem executivos em busca de um assento no conselho de uma empresa. http://www.management-issues.com/news/6021/flattery-will-get-you-everywhere/
Trabalho de Harvard mostra que quem puxa o saco do CEO tem mais propensão a criticar a companhia externamente. https://hbr.org/2017/04/research-executives-who-flatter-their-ceos-are-more-likely-to-criticize-them-to-the-press
Ótimo trabalho publicado sobre os efeitos comportamentais (destrutivos) de quem é alvo de bajulação. http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0001839216686053
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