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Fundadores em transe


Liderar uma empresa e uma família ao mesmo tempo nunca foi fácil, mas nos dias atuais, em que até o passado é incerto, isto tem colocado uma série de novos dilemas e desafios no caminho de fundadores de empresas familiares. Essa foi a principal conclusão do Congresso Global do Family Firm Institute, que acontece anualmente e em 2019 ocorreu em Miami no final de outubro com 300 especialistas em empresas familiares de 40 países. Comentarei, nas linhas abaixo, alguns desses dilemas e uma reflexão sobre um caminho para resolvê-los.

Vale aqui uma nota explicativa: utilizo sempre o tema "fundador" para nomear o líder mais velho de uma empresa familiar. “Fundador” pode ser um fundador, uma fundadora, um casal ou mesmo um sucessor que não fundou a empresa, mas é o líder atual e geração mais velha da família. Uso também os termos GEN1 e GEN2 para simplificar os termos "geração mais velha" e "geração sucessora". A GEN1 não necessariamente é a 1ª geração, mas sim a mais velha em relação à GEN2.

Qualquer empresário do planeta está atualmente preocupado com alguns macro dilemas: a guerra comercial EUA x China, os desdobramentos de um mundo inundado por dinheiro a juros negativos, a insegurança política na América Latina, impeachment e eleições nos EUA, Brexit na Europa, clima, refugiados e outras questões que afetam a todos, sejam eles familiares, não familiares, jovens ou veteranos.

Empresários com décadas de experiência estão acostumados a lidar com temas assim. Chego a achar que gostam de lidar com eles, pois a vivência e a superação de crises anteriores os colocam em posição de vantagem e diferenciação.

O problema é quando o presente e o futuro trazem questões novas para pessoas que se acostumaram com um mundo previsível e controlado. Fundadores, em geral, detestam mudança. São donos, chefes e pouco questionados há décadas. Da sua forma, estão no controle. Construíram um negócio, chegaram ao sucesso e, justo agora, terão que rever conceitos?

Abaixo, alguns desafios discutidos no congresso.


A longevidade e a tecnologia.


Na abertura do congresso, o keynote speaker Kris Verburgh apresentou as mais recentes inciativas do mundo para extensão da nossa vida. Ele é médico, pesquisador e investidor em startups de saúde, e autor do livro "The Longevity Code". Quem nasce hoje já tem 50% de chances de viver 105 anos. Existem 6 motivos que nos fazem envelhecer, e já há tecnologia para controlar todos. Toda essa tecnologia chegou tarde para quem já está com 60 a 70 anos. Justamente no momento em que a mortalidade passa a ser o maior assunto de suas vidas, surgem novas tecnologias, mas eles provavelmente serão a última geração a não usufruir de tais avanços. Muitos fundadores não lidam bem com o envelhecimento, o que os coloca face a um dilema: viver com naturalidade a fase final da vida ou correr atrás de uma solução milagrosa?


Inclusão como obrigação social e de negócio.


O mundo de hoje exige uma cabeça mais aberta, plural e inclusiva em termos de raças, gêneros e etnias. Assisti a uma palestra sobre a inclusão de gênero, e a antiga sigla LGBT já é ultrapassada: hoje já se fala em LGBTQQIP2SAA (lesbian, gay, bisexual, transgender, queer, questioning, intersex, pansexual, 2-spirited, asexual, and allies). Esse público envolve 500 milhões de pessoas no mundo (15,5 milhões no Brasil e 33 milhões na Europa) e um poder de compra de 4 trilhões de dólares. Mais do que isso, mercados consumidores exigirão cada vez mais políticas inclusivas. Muitos fundadores vêm de formações mais tradicionais e conservadoras, não só de suas famílias, mas de igrejas e mesmo países. Para se ter uma ideia, 68 membros das Nações Unidas criminalizam o homossexualismo e 7 membros impõem pena de morte.


Na semana passada, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, encerrou um dos principais eventos de tecnologia do mundo, o Web Summit, falando em inclusão. “A tecnologia e as empresas não podem deixar NINGUÉM de fora. Nenhuma parte da sociedade, nenhuma nação, nenhuma geração”.


A tecnologia como ameaça e como oportunidade.


Muitos fundadores, em todo o mundo, carregam o discurso da continuidade. "Sempre foi assim, sempre funcionou, enquanto eu estiver aqui, será do meu jeito". Daniel Lorenzo, Professor titular da Universidad de Cádiz, apresentou o trabalho “Barreras a la innovación en la empresa familiar”, que defende que as empresas familiares têm um ambiente muito favorável para a inovação, mas ela é atrapalhada por 4 grupos de obstáculos. Um deles é a atitude conservadora do grupo dominante (GEN1), que não só bloqueia iniciativas de mudança, como anestesia a criação de uma cultura para a inovação na GEN2.


O historiador e escritor Yuval Noah Harari disse essa semana, no programa Roda Viva: “pela primeira vez na história, não fazemos ideia de como será o mercado de trabalho daqui a 20 a 30 anos. A habilidade mais importante é a flexibilidade, e lidar com mudanças é muito mais estressante e desafiador após uma certa idade”. Mais um desafio, portanto, para fundadores.


GEN2 (sucessores) cada vez mais preparados e independentes.


Esse tema foi abordado em 3 palestras: Dennis Jaffe e James Grubman questionaram, com fatos e dados, o mito de que membros da GEN1 são heróis inalcançáveis, que superaram tudo em benefício da GEN2, que são menos capazes. Kelin Gersick abordou o medo dos fundadores de serem menos capazes e relevantes que seus sucessores; e uma pesquisa patrocinada pela KPMG, sobre sucessão e com empresas familiares do mundo todo mostrou, com dados financeiros, que os sucessores, globalmente, entregam melhores resultados do que os seus antecessores no final da carreira.


GEN2 (sucessores) têm diferentes estilos e desejos.


Além de estarem bem preparados e entregarem resultados, os sucessores das gerações X (1965 a 1979) e Millennials (1980 - 1994) têm outras prioridades, estilos de liderança e desejos. A pesquisa citada acima mostrou algo interessante: enquanto os baby boomers (1944-1964) pretendem trabalhar na empresa familiar pelo menos até os 70 anos, os X e Millennials pretendem fazer a sucessão até os 50! Em outro tópico, a pesquisa mostra que os boomers acreditam que o próximo líder da empresa será da família, mas uma porção muito menor dos sucessores acredita nisso.


Se juntarmos essas discussões, extraindo apenas fatos, temos os ingredientes para uma tempestade perfeita. Vejamos:

  • GEN1 tem 20 a 30 anos a mais do que GEN2.

  • GEN1 espera que o sucessor seja da família (GEN2).

  • GEN1 quer trabalhar na empresa da família até os 70, mas GEN2 só até os 50.

  • GEN1 tem uma queda de desempenho muito clara no final de seu mandato, observável em todas as geografias.

  • GEN2 tem boa qualificação e condições de obter sucesso fora da empresa da família.

  • O mundo e os negócios trazem dilemas muito mais palatáveis para GEN2 do que para GEN1 (tecnologia, diversidade, inovação).

A saída para essa miríade de impasses é uma transição planejada de poder da GEN1 para a GEN2. As gerações precisam trabalhar juntas. Empresa e família precisam do legado e do conhecimento da GEN1, mas também precisam das competências e da juventude da GEN2. É necessário um período de convivência e cogestão, de ceder e ouvir, de negociar e ser flexível.

O Congresso ressaltou a importância dos consultores e pesquisadores de empresas familiares. A pesquisa citada acima, patrocinada pela KPMG, mostra que 70% das empresas familiares globalmente não tem um projeto estruturado de sucessão, e não deve ser coincidência que esse número seja igual a uma estatística global, antiga e conhecida: 70% das empresas familiares não sobrevivem à sucessão.

Alguma coisa não está funcionando bem na forma como famílias empresárias fazem sucessão, com impactos caríssimos para as economias e geração de empregos de seus países, sem falar na harmonia das famílias. A troca de gerações, somada a essas novas complexidades descritas acima, é um processo complexo e arriscado demais para enfrentar sozinho. Para inverter a curva de riscos na sucessão, que hoje é 70% de chances de fracasso e 30% de sucesso, famílias empresárias precisam de mais planejamento, mais preparo e, certamente, mais consultores.



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