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Empresas grandes abandonaram o cliente. O que devem fazer as PME?

  • Gustavo Sette
  • 14 de dez. de 2023
  • 6 min de leitura

Atender mal nunca foi tão rentável, pelo menos para as grandes empresas americanas, sobre as quais temos dados e que exercem enorme influência na nossa forma de fazer negócios. Enquanto a satisfação dos clientes desabou, os lucros das empresas aumentaram e ninguém perdeu o emprego.


É uma situação intrigante para quem foi criado com a ideia de que a satisfação do cliente tem correlação com o resultado da empresa. Vivemos um momento atípico, ou essa correlação morreu para sempre?


Há cerca de duas décadas, embarquei em uma missão complexa em uma recém-criada área do Unibanco, com o objetivo claro: resgatar o banco de uma desconfortável posição perante órgãos de defesa do consumidor. Nesse contexto, os clientes, frustrados pela incapacidade de resolver suas questões com os distintos canais do banco, recorriam a entidades externas.


Como se não bastasse a complexidade e a pressão dessa nova área, despertamos, um belo dia, com uma campanha demolidora vinda do Itaú, então ainda um competidor: "O Itaú quer ouvir você." Num piscar de olhos, todas as cidades, revistas, telejornais e sites do país se tingiram de laranja, trazendo consigo o convite, os contatos, o canal aberto: queremos ouvir você. Foi mais do que um impacto; foi uma lição. Parecia que tudo o que aspirávamos realizar estava ali, concretizado, naquela campanha.


Depois de muito trabalho, conseguimos atingir os objetivos da área, mas o que me fez lembrar daquele episódio é que, duas décadas depois, parece que o mundo todo andou séculos para trás.


Hoje dá para dizer, tranquilamente: A nossa empresa NÃO QUER ouvir você. As grandes empresas, com algumas exceções (e coloco o Itaú entre elas), tiraram o cliente do foco. Não há mais o telefone, não é mais possível falar com pessoas. Prazos internos passaram a ignorar o razoável para o cliente, que dificilmnte consegue retorno. Sistemas de atendimento foram trocados por atendimentos eletrônicos que ainda têm muito a evoluir. E os dados sustentam a minha observação. Atender mal não doeu no bolso de ninguém. Pelo contrário.

Olhei o indicador “The American Customer Satisfaction Index” (ACSI), que mede a satisfação dos clientes das grandes empresas americanas, e eles indicam que: A satisfação do cliente desabou de 2019 para cá, voltando aos níveis de 2005.





Os lucros dessas empresas só aumentaram. Veja a boca de jacaré que se abriu no gráfico que compara os lucros com a satisfação. Em situação de pleno emprego, atender mal também não doeu para os funcionários. Ou seja, atender bem deixou de ser bom negócio.




O lucro sempre andou perto da satisfação do cliente, mas a "boca de jacaré" abriu de 2019 para cá


Eu não ia aos Estados Unidos desde o início da pandemia e lá estive há 3 meses. Fiquei abismado com a derrocada do atendimento em praticamente tudo: aeroportos, hotéis, lojas, restaurantes... No passado recente, éramos bem atendidos e pagávamos 18% de gorjeta nos restaurantes. Agora é tudo máquina e pessoas de má vontade a gorjeta COMEÇA em 20%. Muitos comércios desativando unidades ou setores por falta de funcionários.


Está mais caro e pior.



Quais fatores levaram a isso?

Comentarei 6 fatores que, de alguma forma, podem explicar essa deterioração.


1. Pressão de custos. Particularmente no Brasil, o país nunca foi fácil para empresários, mas desde 2015 estamos em uma janela particularmente difícil. Quando as coisas pareciam melhorar, veio a pandemia. Fato é que nossas empresas estão há anos fazendo cortes, revisões de estruturas, processos, e isso deixou o cliente para trás.

2. Contratar e manter pessoas está cada vez mais caro e difícil. Enquanto as máquinas estão melhorando e tirando mais empregos, os reguladores tornam mais caro e perigoso ter funcionários, que por sua vez não andam ajudando muito. Não tem gente e vai ter cada vez menos.

3. A pandemia normalizou uma série de “maldades”. Nessa minha ida recente aos EUA, percebi lojas sem provadores nem funcionários, hotéis só limpam os quartos a cada 3 dias, restaurantes aboliram menus, garçons e pessoas de forma geral, tudo em nome da pandemia que já acabou... E falar com empresas virou algo que beira o impossível. O atendimento piorou em tudo, o cliente se acostumou, as “piorias” ficaram.

4. Uma verdadeira pandemia em torno de inovação, disrupção, tecnologia, transição digital. São temas fundamentais, mas a dosimetria está errada. Parece que nada do que foi feito até hoje tem valor, SÓ O NOVO importa.

5. Muito foco para dentro e no jeito de trabalhar. A pandemia deu uma bagunçada no jeito de trabalhar, de liderar, de interagir, e muitas empresas estão perdendo muito tempo rediscutindo essas relações. Híbrido, remoto, no escritório? As empresas voltaram-se para si próprias e não conseguem sair.

6. Pulverização dos objetivos da empresa com as pautas “do bem”. Muita gente está tentando questionar a lógica do capitalismo: uma empresa atende aos seus acionistas pois a eles cabe o risco. Há uma onda excessiva tentando inverter essa lógica, defendendo que as empresas atendem a tudo e a todos. O problema é que quem atende a todos não atende a ninguém, e adivinhe como ficou o cliente nessa bagunça?


Escolas e consultorias também largaram o cliente?


Não é só nas interações com as empresas que percebemos que o cliente saiu do foco: nas grandes escolas e consultorias de negócios, também. Nos últimos dias, vi mais duas evidências de que é quase assumido que o cliente saiu do foco.


O estudo OrgBRTrends, realizado pela McKinsey nesse 4º trimestre com empresas brasileiras, levantou 10 macrotendências que estão moldando nossas companhias. No documento inteiro, de 70 páginas, a palavra cliente aparece 3 vezes, como subitens. As tendências são todas voltadas aos processos internos, inovação e impacto. Zero cliente.


Recebi o programa de um mestrado de uma das principais universidades brasileiras. Transformação Digital é matéria obrigatória (mesma carga de finanças, de estratégia). O cliente aparece discretamente em uma eletiva chamada “antropologia do consumo”. E as consultorias, hoje, só falam em ESG, inovação, transição digital e inteligência artificial.


O que fazer, nessa nova realidade?

Trabalho majoritariamente com empresas pequenas e médias, que são, portanto, menos sujeitas a influenciar os caminhos da economia. Por outro lado, podem ser mais rápidas e flexíveis. O que tenho falado com essas empresas é que elas podem se diferenciar em atendimento depois de responder a duas perguntas:


1) Você acredita que, no seu setor, haverá a reversão à média? Estamos em uma onda de mau atendimento, ou veio para ficar? O gráfico acima que compara lucro com satisfação do cliente mostra claramente uma situação atípica. Será que ela vai durar? Eu acredito que, na maioria dos setores, estamos em uma onda exagerada que, em algum momento, voltará a algo mais equilibrado. O cliente foi esquecido e os lucros não caíram, mas creio que haverá alguma reversão. Pense que, se acontecer, a empresa grande, ainda que demore mais, tem mais recursos para reagir.


2) A estrutura de custos permite atender melhor do que as empresas grandes? Fluxo de caixa não aceita romantismo. Vamos a um exemplo. Imagine-se dono de um hotel familiar em uma cidade média e seus concorrentes são hotéis maiores de redes gigantescas. Suponha que essas redes cortam a limpeza e troca diária de toalhas dos quartos... Seu custo permite manter? Conheci certa vez um distribuidor de produtos farmacêuticos que agregava, por conta própria, uma embalagem luxuosa antes de enviar os produtos para as lojas. Ele achava que fazia diferença e o custo fechava. Essa é a conta, mas contas precisam ser feitas e revisadas.


Se você também acha que o atendimento em geral vai melhorar e seus custos permitem, atenda melhor. Rediscuta a pandemia de inovação e digitalização. Converse com seus clientes. Que tal FACILITAR um número de telefone que seja atendido por pessoas? Trazer a voz do cliente de volta? É uma baita oportunidade para as pequenas e médias empresas se diferenciarem, desde que a conta feche, caso a caso.


Um exemplo caricato do que é colocar-se no pior dos mundos: tem médico e dentista atendendo via chat, mas o celular com o Whatsapp da clínica está ali, na mão da secretária! O custo da secretária não foi eliminado, mas o atendimento piorou.

Carrego aqui nessas linhas algum conservadorismo ideológico: continuo acreditando em alguns postulados que aprendi e vivenciei. Empresas atendem clientes. Clientes demitem empresas por mau atendimento. Reter um cliente é mais barato do que conquistar um novo. E a velha e clássica, um cliente insatisfeito falará mal da empresa para mais pessoas do que o satisfeito falará bem.

Uma das boas ideias contemporâneas que está perdendo relevância por causa de exageros é a inclusão, mas as empresas precisam entender que, antes de salvar o mundo, precisam incluir... O cliente.

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