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Lições de Davos 2020 para as empresas familiares


Putin, Trump, Greta, Paulo Guedes, Merkel, Xi Jinping, aquecimento global, Brexit, acordos comerciais e... Empresas familiares. O 50º encontro anual do Fórum Econômico Mundial discute os principais temas econômicos do mundo, e a edição de 2020, que termina hoje, trouxe um painel específico com o seguinte tema: “Empresa familiar: relíquia ou modelo?”


A sessão foi mediada por Lynda Gratton, professora célebre da London Business School, e teve a participação de empresários de peso:


  • André Hoffmann, suíço, herdeiro da 4ª geração e conselheiro da Roche, gigante da indústria farmacêutica fundada em 1896.

  • Stanley Bergman, CEO e conselheiro da Henry Schein. Executivo de fora da família, que fez a transição da empresa, de familiar para capital aberto.

  • Camilla Hagen Sorli, sócia e conselheira do grupo Canica, uma das maiores empresas da Noruega.


Por não se tratar de uma palestra com começo, meio e fim, mas sim de uma discussão, reuni abaixo alguns destaques do encontro. No final do artigo, coloquei os principais aprendizados para as empresas familiares pequenas e médias, que são o alvo do meu trabalho.



O que as empresas familiares podem ensinar às demais.


Para a professora Lynda, as empresas familiares são um modelo nos seguintes aspectos:

Excepcional capacidade de investir com foco no longo prazo.Maior capacidade de ter uma visão equilibrada entre os diversos stakeholders.Cada mudança de geração traz desafios únicos, específicos daquele momento e não comparáveis com os vividos por outras gerações, e as empresas familiares são mais capazes de entender esses desafios.Trabalhar com base em valores. Esse tema foi amplamente repetido e será comentado em tópico específico.



Lucro é o objetivo, mas não a razão de existir.


Ninguém constrói uma companhia de sucesso focando em agradar os acionistas e dar lucro no curto prazo. Empresas existem para servir à sociedade, para atingir algo, gerar um impacto positivo. Isso não quer dizer que as empresas não devam buscar o lucro – devem sim ser geridas para obter valor, mas o lucro não pode ser a razão de sua existência.



É preciso certa cautela com o "romantismo".


Muito se fala da visão de longo prazo e da atitude inclusiva das empresas familiares, mas essas posturas merecem cautela. Há momentos em que é preciso pensar no curto prazo e tomar decisões impopulares. Há empresas que, pela preocupação extrema com a sociedade, adiam decisões necessárias, e lá na frente isso custa muito mais caro.

Nesse cenário, foi lembrada a divertida frase de Mike Tyson: “todo mundo tem um plano até receber um soco na cara”. Trabalhar com uma visão de longo prazo é fundamental, mas ao receber um soco, muitas vezes é preciso voltar para o curto prazo e salvar a empresa.



Como a Roche criou uma estrutura que combina agilidade e estabilidade.


A Hoffmann–La Roche, ou apenas Roche, foi fundada em 1896 na Suíça e está sempre entre as 5 maiores indústrias farmacêuticas do mundo. André Hoffmann é da 4ª geração de donos e representa a família no Conselho.


Um resumo da fala dele:


Ano que vem, a companhia completará 125 anos. A minha geração é a 4ª e estamos no processo de sucessão para a 5ª. Temos dois papéis na bolsa suíça: um de dividendos e um de ações com direito a voto, mas a família mantém o controle (apenas 9% das ações com voto estão no mercado).


Isso nos coloca em uma situação complexa: temos toda a visibilidade de uma empresa listada em bolsa (regras, analistas, controles) mas temos o controle da família. Usamos um modelo de pirâmide, em que a empresa é tocada em um diálogo entre a gestão (CEO), o Conselho (executivos independentes e globais) e os donos (família). Esse diálogo nos permite agir rápido e focar no longo prazo.



Como a Henry Schein resolveu uma complexa disputa familiar.


Empresa americana fundada em 1932, é o maior fornecedor mundial de produtos e serviços de saúde para profissionais de odontologia. A empresa hoje vale cerca de U$ 10 bilhões.

Stanley Bergman, que não é da família controladora, é o CEO desde 1989 e contou o interessante case que vivenciou.


No começo da década de 1990, a empresa viu-se em uma complexa disputa entre 3 partes da família, e surgiu a ideia de vender a empresa. Bergman então propôs que a família desse aos executivos 5 anos para fazer a abertura de capital. Se o plano desse certo, os membros da família poderiam liquidar suas ações no mercado. Se desse errado, seguiriam com a venda da empresa.


O plano foi bem executado, a empresa abriu o capital e cada familiar seguiu um caminho: uns venderam tudo, outros venderam uma parte, outros não venderam nada.


Para o CEO, pouco importa se a empresa é de capital aberto ou fechado, pequena ou grande. O que importa de verdade são os valores, e isso que determinou a possibilidade de resolver o conflito na Henry Schein.



Valores e cultura.


Todos os participantes ressaltaram a importância dos valores, que devem ser claros e impregnados nos executivos e na forma de trabalhar.


Valores são constantes – podem ser atualizados, reescritos, mas em essência, mudam muito pouco. O que precisa mudar é a cultura. Há 40 anos, não precisávamos tomar decisões tão rápido quanto hoje. Há 30 anos, ficamos encantados com o primeiro aparelho de fax. É preciso se atualizar e a dinâmica das empresas deve mudar pela cultura, mas não pelos valores.



Empresas criadas hoje não necessariamente terão as características de empresas familiares.


Muitas empresas no passado foram criadas pela família, com base nos valores da família e com a clara intenção de passar o negócio para a próxima geração. Muitos negócios criados hoje seguem outras características, e nem sequer há a vontade de passar para um sucessor. Pelo contrário: alguns fundadores atuais já pensam no valor de venda e quanto dinheiro vão colocar no bolso, o que de certa forma contraria o modelo de empresas familiares.



Tributação dos países impacta a continuidade de empresas familiares.


Citando especificamente os Estados Unidos, em que há um gigantesco imposto sobre sucessões, Stanley comentou que o cenário fiscal de diferentes países influencia diretamente a intenção de passar o negócio para as próximas gerações.



Conclusão: aprendizados para empresas familiares pequenas e médias.


O painel de Davos foi formado por empresas bilionárias e com dezenas de milhares de empregados. Somadas, as 3 empresas representadas têm quase 300 anos de história.

O que essas gigantes podem ensinar às empresas pequenas e médias?

Com base no que tenho observado trabalhando com empresas menores, entendo que as principais reflexões de Davos são: 


1) Maior abertura

A empresa familiar não pode ser uma entidade fechada e centrada nas ideias e desejos da família e de seu fundador. É preciso se abrir, atender e ouvir os diversos participantes: clientes, funcionários, fornecedores, concorrentes e a sociedade em geral. A voz do mercado precisa entrar, seja com pesquisas, consultores, conselheiros, visitas a outras empresas e culturas. Adotar ou não as práticas de fora é outra história, mas é preciso estar mais aberto, inclusive para ampliar a capacidade de enxergar e pensar o longo prazo.


2) Investir em valores

todos os casos de sucesso que eu vi em empresas familiares mencionam dois pontos em comum: a visão de longo prazo e a gestão com base em valores. Esses tópicos são subestimados por muitos empresários, mas têm enorme importância e devem ser valorizados.


3) Definir a finalidade da empresa e conhecer as consequências dessa escolha

Aqui está o ponto mais importante de reflexão: a empresa familiar é um projeto pessoal do dono / fundador ou é um projeto de legado e continuidade? Empresas centenárias e bilionárias, como a Roche e a Henry Schein, são muito maiores do que os seus donos, que são servidores da continuidade – servidores muito bem recompensados, eu diria.

A empresa familiar em que o dono bate todos os pênaltis, decide tudo, retira todo o lucro, não abre para ideias de fora e não debate sucessão é um modelo ainda predominante em muitas culturas. É errado? Eu não me arrisco a julgar, desde que se tenha consciência dos impactos de cada escolha.


Vejo muitos fundadores autocráticos e centralizadores, mas que nutrem o desejo de construir uma empresa duradoura para as próximas gerações. É como aquele parente distante que todo mundo já ouviu falar, que bebeu, fumou e não fez exercícios a vida toda e viveu até os 100 anos. Pode até dar certo, mas é uma aposta muito arriscada.



O vídeo com a sessão sobre empresas familiares pode ser encontrado na página do World Economic Forum:


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